11. Ligação

Nossos destinos sempre estiveram traçados. Um ligado ao outro por toda a eternidade.
Tento me manter firme enquanto o observo vestir a camisa. Cada parte do meu corpo treme como se fosse explodir em milhares de pedaços, mas isso não é nada, perto de como meu cérebro parece um mingau, como se nada do qual pensasse fosse coerente. Então aos poucos ele se vira e logo vejo que está com o corpo tenso, como se soubesse que estava ali o tempo todo.
– Eu sei quem você é. – Digo sem pensar, sendo levada pela emoção e nem imaginar o como devo estar soando. – Sei por que está aqui.
Ele anda até mim, seus olhos me avaliando sérios sem nenhum divertimento ou sarcasmo que antes era tudo o que via. Seu olhar está igual àquela noite na praia, misterioso e assustador.
– Sabe? – Pergunta e vejo um leve sorriso aparecer no canto de seus lábios.
– Você é meu guardião. – Ele para no meio do caminho, mas sinto seus olhos continuarem o percorrendo. – Você me salvou duas vezes, sendo que nessa última não era para estar perto de mim. – Duncan prossegue parado somente ouvindo. – Você sempre esteve perto.
– Não até descobrir tudo semana passada. – Responde e percebo que sua voz está mais rouca, de uma forma como nunca ouvi antes.
– Descobrir o quê? – Pergunto aturdida, mas logo prossigo com a linha de pensamento anterior. – Mas está aqui há muito mais tempo...
– Sim. – Duncan interrompe. – Me mandaram para cá para cuidar de você, mas só soube que era seu guardião quando lhe vi pela primeira vez depois de todos esses anos. – Ele olha rapidamente para o chão. – Mas só me disseram que era realmente verdade semana passada.
– O que é verdade?
Duncan me olha profundamente e anda até a janela da sala, abrindo-a. Fico esperando que ele se encolha de frio por causa da brisa gélida, mas não, ele simplesmente fica lá com os braços apoiados no marco e as costas arqueadas, como se não reparasse na chuva intensa que se derrama lá fora. Então dou um passo à frente percebendo que minha dor na perna e no braço não está mais tão intensa e caminho até parar ao seu lado.
– O que é verdade Duncan?
– Não sei como falar. – Ele responde baixo e respira fundo, como se estivesse em confronto consigo mesmo. – Ensaiei tantas vezes essa frase, mas é tão difícil falar em voz alta e pra você. – Duncan levanta o rosto e olha diretamente em meus olhos. – Logo para você.
Sempre achei que Duncan guardasse segredos, mas agora sei que são relacionados a mim. Enquanto estava parada olhando-o fiquei juntando as peças no meu subconsciente, e agora que finalmente paro e percebo o quanto ele sabe. Estou apostando no agora baseado no que me lembrei do passado, mas apesar disso parecer não fazer sentido, dentro de mim sei que ele sabe todas as respostas para as minhas perguntas.
– Falar o quê? – Pergunto desesperada. – Só me diga o que eu sou! Preciso saber e sei que você tem a resposta. – Me aproximo dele deixando que minha mão esquerda tocasse seu rosto. – Só me diga.
Duncan olha para a rua novamente e percebo que seus olhos param na lua que aparece rapidamente entre as nuvens antes de se voltar a mim.
– Você sabia que seu nome significa lua?
Franzo o cenho não entendo aonde quer chegar.
– Sei, mas o que isso tem...
– Você já reparou que seu humor muda conforme as fases da lua? Que sua mancha de nascença esquenta e esfria conforme se sente, e não consegue achar uma explicação para isso? – Ele prossegue falando perdido em pensamentos, mas sem retirar os olhos dos meus. – Nos últimos dois dias os planetas estão se alinhando e haverá um eclipse amanhã à noite bem no horário do seu aniversário, sabia?
– Aonde você quer chegar?
– Quero que entenda o que você é. – Rebate e envolve meu rosto com as mãos quentes. – Luna, você nasceu em um eclipse e em um eclipse completará dezoito anos. – Não consigo retirar meus olhos dos de Duncan é como se enxergasse a verdade através deles.
– É por isso que mudei tanto? – Pergunto não entendendo como isso tem alguma relação com as coisas que estão acontecendo comigo, mas de certa forma é como se fosse à explicação mais natural do mundo.
– Sim... Você está se transformando conforme os planetas se alinham.
– Me transformando em quê Duncan? O que eu sou?
– Você é uma bruxa, Luna. Uma das bruxas mais poderosas que já pisaram na Terra.
Prossigo o olhando e não acreditando no que está dizendo. Quando vejo estou rindo de leve e me afastando de suas mãos enquanto viro de costas, deixando a risada se intensificar de uma forma nervosa e incontrolável.
– Uma bruxa? – Pergunto para mim mesma. – Sou uma bruxa.
Pondero as palavras não aceitando o que significam. Como poderia ser uma bruxa? Essas coisas não existem, penso e sinto uma enorme frustração me tomar lembrando que achei que poderia realmente confiar nele, acreditando que tinha alguma relação comigo e com as coisas que estão acontecendo na minha vida. Como fui tola.
– Luna, eu sei que é difícil de aceitar. – O ouço dizer e logo em seguida suas mãos estão em meus ombros. – Mas é a pura verdade.
– Não é difícil de aceitar Duncan. – Respondo e me viro para olhá-lo. – É impossível! Achei que podia confiar em você, depois de ter me salvado, achei que isso poderia significar alguma coisa. – Respiro fundo e começo a andar pela sala. – E no final das contas você simplesmente está rindo da minha cara, como alguns fizeram quando descobriram as coisas que acontecem comigo ao longo dos anos. Realmente muito obrigada por ser mais um na lista!
Começo a me direcionar para o quarto só querendo sumir o quanto antes e esperando que entendesse que essa é a deixa para sair da minha casa, para sair da minha vida, sem nunca olhar pra trás. Começo a questionar como conseguirei apagá-lo dela, se conseguirei me esquecer da forma como destruí minhas barreiras para deixá-lo se aproximar. Se ao menos soubesse todo esse tempo no que daria, que chegaria onde estamos não teria ficado tão vulnerável. Não teria permitido que me ferisse.
– Se você não é uma bruxa. – O ouço gritar da sala. – Como está conseguindo andar como se não tivesse acabado de sofrer um acidente? – Paro rapidamente enquanto olho para minha perna percebendo que não sinto nenhuma dor, como se nunca a tivesse machucado. Aos poucos me viro para olhá-lo e reparando que meu ombro não dói mais como uma dor de dente. – Como explica isso Luna? – O vejo se aproximar de mim hesitante como se estivesse na frente de um animal selvagem. – Como seu cabelo cresceu tanto? Como sua pele está mais bronzeada? Como me explica ter ido até a beira do mar? – Ele toca em minha mão sondando cada ângulo meu. – Como você conseguiu ver sua avó?
– Como você...? – Pergunto não conseguindo terminar a frase, não enquanto cada parte do meu corpo treme e um bolo se instala em minha garganta bloqueando qualquer palavra.
– Como eu sei? – Pergunta e sinto meus olhos se encherem de lágrimas conforme finalmente entendo o que está dizendo. – Por que sou igual a você.
Duncan me examina tenso e quando percebo estou envolvida por seus braços, encosto meu rosto em seu peito deixando as lágrimas saírem. Fecho os olhos sentindo que esses braços estranhos me passam a segurança que vovó costumava me dar, mas por algum motivo que desconheço, sinto que estou muito mais segura agora, do que um estive em todo esse tempo.
– Eu sei. Vai ficar tudo bem. – Ele sussurra perto do meu cabelo.
Tento perguntar como ficaria bem, mas só consigo chorar e me deixar ser abrigada por ele. Não consigo achar uma justificativa pra esse sentimento, é como se estivéssemos ligados, muito mais do que palavras pudessem explicar, simplesmente sinto como se compartilhássemos o mesmo corpo, os mesmos pensamentos, a mesma dor.
Depois de um tempo chorando em seus braços percebo que as perguntas que tenho para fazer são muito mais urgentes que meu desespero. Então, aos poucos começo a me afastar dele e secar as lágrimas quando vejo que seu olhar preocupado, atencioso, como se o mundo dele girasse em torno do meu.
– Como isso foi acontecer? – Pergunto e dou uma fungada enquanto limpo o rosto com a manga da camisa. – Como posso ser uma...?
– Bruxa? – Complementa e sorri terno. – Isto está no sangue Luna, desde que era um feto. É uma linhagem de sangue.
– Está querendo dizer que minha mãe também é? – Pergunto assustada e parando de passar a manga da camisa pelo rosto. – Então ela sempre soube.
– Luna. – Duncan me chama gentilmente e me leva até o sofá. – Há muito mais nessa história do que parece.
– Não. – O interrompo. – Quer dizer que minha mãe sempre soube o que eu sou e nunca falou nada, simplesmente me fez esquecer com remédios e um psicólogo que colocou coisas na minha cabeça. Pior, ele fez com que me achasse uma louca!
– Luna, olha pra mim. – Duncan diz e envolve meu rosto com as mãos para que firmasse o olhar no seu. – Respira fundo e me ouça com muita atenção. Sua mãe teve motivos para isso, mas é algo que você tem de falar com ela e com calma, mas agora o que você precisa saber é outra coisa, muito mais importante.
– O que é? – Pergunto e quando finalmente percebeu que estou calma, acabou por afastar as mãos.
– Você se lembrou de que sua avó havia dito que tudo mudaria quando completasse dezoito anos, não é mesmo? – Pergunta e faço um aceno de cabeça concordando. – Hoje à noite é seu aniversário e será o momento em que se tornará uma bruxa completa.
– Uma bruxa completa? Como assim?
Vejo Duncan sorrir calmo e pegar em minhas mãos pousando-as sobre seu colo.
– Todos nós nascemos bruxos, mas quando completamos dezoito anos atingimos o auge do poder e no início é muito complicado lidar com isso. Por esse motivo que estou lhe avisando que a terceira fase de hoje, será a pior delas.
– Terceira fase?
Duncan respira rapidamente e percebo que tenta manter a calma ao máximo, e é estranho ver esse lado seu, como se fosse um professor ensinando um aluno sobre a matéria nova que perdeu quando faltou um dia. Só que no meu caso, foi à vida toda.
– A primeira, foi quando você teve enjoos e seu corpo começou a ganhar energias novas, foi quando caiu no chão da sala e no outro dia acordou fisicamente mudada. A segunda fase é quando você começa a ver todos os espíritos perdidos que, quando era mais nova, só via alguns deles como se fosse um teste de iniciação. – O vejo olhar para nossas mãos antes de prosseguir. – A terceira fase você não terá controle sobre seus dons, então poderá machucar alguém sem realmente querer isso.
– Como irei machucar alguém? Que dons? – Pergunto enquanto começo a sentir tudo na minha volta girar sem controle.
– Calma tudo dará certo, porque estarei aqui com você o tempo todo.
– Duncan, que dons são esses? – Pergunto desesperada e sentindo o ar faltar como se fosse explodir a qualquer momento.
– Luna, se acalme. – Ele pede me olhando o tempo todo, como se realmente fosse explodir. – Isso. Se você ficar nervosa ou seu humor mudar drasticamente nas últimas horas não terá mais controle sobre seu poder e poderá machucar alguém, entendeu? Isso é muito importante Luna. – Faço um aceno de cabeça concordando. – Vou estar ao seu lado, mas não poderei fazer muita coisa se não me ouvir.
– Tudo bem, mas que poder é esse Duncan?
– Você já recebeu informações demais por hoje. – Rebate e sorri terno. – Prometo que saberá tudo, mas com tempo, por enquanto vamos esperar até o eclipse.
Olho para nossas mãos entrelaçadas sentindo que estamos compartilhando muito mais que calor e sinto meu rosto ficar quente devido a isso.
Não precisa ficar com vergonha. Ouço sua voz em minha cabeça tão nítida que parecia que havia a escutado em bom tom. Então levanto meu rosto para olhá-lo vendo-o sorrir satisfeito. Não precisa ter medo e só é algo que conseguimos fazer.
– Como você faz isso? – Pergunto.
Se concentre em mim e conseguirá fazer o mesmo, responde mentalmente.
Fico o olhando firmemente tentando entrar em sua cabeça, mas sem realmente acreditar que iria conseguir, quando vejo estou conectada a seus pensamentos de uma maneira que pareciam serem meus.
Isso mesmo, o ouço dizer e outro sorriso se instala em seus lábios.
Como isso pode acontecer? Pergunto mentalmente.
Por que estamos compartilhando energia, tudo no mundo é energia. Então sinto um formigamento gostoso subir por minhas mãos e se espalhar por meu corpo causando arrepios. Isso é energia pura, Luna.
Sorrio para ele fascinada e o vejo fazer o mesmo, mas quando percebo uma imagem se projeta em minha mente de nós dois nos beijando. Sinto meu rosto ruborizar sem entender se era um pensamento meu ou dele, mas quando percebo Duncan sorri torto para mim e reparo que consigo sentir seu desejo no ar, palpável como sua pele. E logo em seguida seus lábios estão sobre os meus quentes e macios, primeiramente fico espantada, mas logo percebo que estou acariciando sua nuca com os dedos, permitindo que abrisse minha boca com a sua.
Sinto gosto de hortelã quando minha língua encontra com a sua, sinto sua mão direita encaixar em minha nuca, puxando-me para mais perto. Envolvo os braços em seu pescoço, o deixando me levar e quando vejo, o beijo se intensifica de tal forma que, quando percebo estou agarrando sua camisa nas costas com os dedos. O tecido embola embaixo de minhas mãos enquanto ele suga meu lábio inferior para dentro de sua boca, dando mordiscadas leves, causando mais arrepios involuntários em meu corpo. Sinto como se cada toque fosse uma carga de energia, fazendo com que cada célula do corpo explodisse, deixando meu corpo trêmulo e mole.
– Você não sabe o quanto esperei por isso. – Ele sussurra contra meus lábios, mas tudo que consigo sentir é minha cabeça girar.
– Eu sei. – Sussurro enquanto puxo mais ar para dentro dos pulmões antes de beijá-lo novamente.
– Acho melhor você descansar. – Duncan diz quando nos separamos novamente. – Não que o meu desejo não seja ficar aqui, mas você precisa lembrar que tem outros problemas pra resolver. – Fico o observando por um tempo até que finalmente entendo. – E uma boa noite de sono iria ajudar muito.
– Como você sabe?
Duncan sorri torto enquanto me coloca de pé com extrema facilidade.
– Tenho meus meios.
Franzo o cenho, mas ele se limita a sorrir, logo em seguida uma ideia passa em mente e sem saber ao certo como pronunciá-la, acabo empurrando a frase para fora.
– Você pode dormir aqui se quiser. – Digo rapidamente e logo vejo o sorriso torto se transformar, então pigarreio. – Claro, no sofá.
– Não iria embora mesmo que mandasse. – Rebate humorado. – Mas não se preocupe com isso agora, só vá descansar.
Como se essa fosse à deixa final, viro as costas e entro no quarto, sento na cama sem dificuldade nenhuma e lembro que a dor nos ferimentos se foi há algum tempo, com isso começo a retirar os curativos. Percebo logo em seguida que não possuo nenhum resquício de lesão nem mesmo aqueles cortes que acordei ontem, nem mesmo um único roxo. Seguro um grito de pavor quando volto à sala, percebendo que Duncan já havia arranjado um jeito de se encaixar no sofá.
– Como isso pode ser possível? – Pergunto e o vejo olhar para mim assustado. – Como posso ter me curado tão rápido?
Duncan se levanta e caminha em minha direção.
– Por que os bruxos tem o poder de regeneração rápida. – Responde, e o vejo passar a mão nos cabelos da nuca enquanto pensa. – É algo que precisamos ter.
– Por que precisamos ter?
– A nossa vida é um pouco conturbada Luna, mas é muita coisa para absorver. – Responde e me puxa gentilmente para um abraço. – Não se preocupe vou lhe contar tudo com o passar do tempo, mas lhe peço que tenha paciência.
Suspiro irritada não querendo esperar tempo nenhum, mas sentindo que preciso disso para que não seja levada a loucura. Então relembro do que sou e das coisas que disse, e isso só torna tudo ainda mais difícil de ser absorvido, apesar do fato de que tudo que falou são as únicas coisas que fazem sentido para o que passei desde a infância.
– Isso tudo ainda não faz sentindo. – Digo em voz baixa e de encontro a seu peito. – Apesar de que bem lá no fundo faz. Mas ouvindo em voz alta é absurdo.
Ouço-o sorrir e percebo que meu ouvido de encontro ao seu peito fez com que parecesse mais um ronronar grave.
– Eu sei disso, mas a partir de agora tudo começará a fazer sentindo.