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15. Tabuleiro Ouija

Nunca brinque com nada que não saiba lidar.

 

    No outro dia de manhã, depois do café mamãe aparece no quarto acompanhada por uma enfermeira. Lembrava que havia passado a noite dormindo no sofá ao lado da cama, mas quando acordei mais cedo não estava. Então a observo fazer um aceno de cabeça para a enfermeira que sai do quarto, enquanto mamãe prossegue andando até chegar ao sofá onde Duncan estava pouco tempo.

     – Sei por que está aqui. – Digo e a vejo levantar a cabeça surpresa. – Também quero conversar sobre isso tanto quanto você.

     Um sorriso cansado aparece em seu rosto.– Sei por que está aqui. – Digo e a vejo levantar a cabeça surpresa. – Também quero conversar sobre isso tanto quanto você.

     – Que bom. – Diz enquanto respira fundo. – Acho que você já está sabendo de tudo, não é mesmo?

     – Quase tudo, há coisas que vovó não quis contar.

     – Ela esteve aqui? – Mamãe pergunta surpresa e vejo seus olhos se encherem de lágrimas. – Queria poder vê-la.

     Sinto vontade de abraçá-la, mas o cansaço e a mágoa não me permitem.

     – Ela está bem. – Respondo e sem saber se é o que deseja ouvir, mas mesmo assim um sorriso aparece em seu rosto, como se o que eu falei fosse o suficiente para se sentir melhor.

     – Isso é muito bom. – Responde e fica em silêncio por algum tempo. – Queria ter feito tudo diferente, não ter me deixado levar e ter feito o que era certo. – Ela levanta o rosto e olha para mim. – Deveria ter lhe contado o que você é, e não escondê-la. – Faço um aceno de cabeça concordando. – Mas agora é tarde demais para isso e também não posso treiná-la, não tenho mais poderes. Mas preciso que entenda o porquê fiz isso, filha.

     – Tudo o que eu mais quero é entender mãe.

     Ela sorri cansada, como se estivesse gastando a pouca energia que tem para poder estar aqui comigo, esclarecendo todas as minas dúvidas.

     – Oito anos antes de engravidar de você já estava pronta pra ganhar meu animal protetor. Você sabe o que é? – Pergunta e faço um aceno de cabeça concordando. – Era um belo cisne branco que me dava o poder de ver o futuro, não havia nada que pudessem esconder de mim. Então tive uma visão a três anos de engravidar, uma visão onde me via com um bebê nos braços e senti que aquele pequeno ser era tudo para mim, meu pequeno mundo. Depois que esses anos passaram, engravidei e tive outra visão de você mais velha, uma adolescente. Uma menina linda e forte, obstinada e que tinha tanto poder que era o espelho de muitos bruxos. Nessa visão, vi um conselho dos bruxos mais poderosos do mundo e você no centro como acusada, todos temiam o poder que você carregava, mas não sabia o porquê. – Ela respira fundo enquanto pensa, lutando para encontrar as palavras. – Então me convenceram a esconder a verdade e como sempre fui fraca achei que era o melhor caminho. O melhor para proteger o meu pequeno mundo que estava se formando no ventre. – Mamãe levanta o rosto e vejo as lágrimas escorrendo por suas bochechas. – Sei que essa foi a pior coisa que poderia ter feito, mas julguei ser o melhor para você, até ontem quando a vi sofrer por não saber lidar com o próprio poder. Sinto tanto filha. Sinto por ter estragado sua vida.

     Sinto lágrimas escorrerem por meu rosto enquanto me levanto com dificuldade e caminho até mamãe, agradecendo que já haviam retirado o soro e a agulha em minha mão. Aproximo-me dela e a abraço firmemente, deixando que escondesse o rosto na curva de meu pescoço enquanto sussurro perto de seu ouvido.

     – Eu te perdoo mamãe.

     Ficamos abraçadas chorando até que ouvimos a porta do quarto bater, me viro e vejo Ágatha com duas sacolas na mão, uma maior que a outra. Então seco as lágrimas rapidamente enquanto sorrio sem jeito para sua cara espantada, sabendo que atrapalhou algo importante.

     – Se precisarem volto outra hora... – Começa a dizer, mas mamãe a interrompe.

     – Não, pode ficar. Preciso tirar outro raio-x agora.

     Sinto meu corpo inteiro ficar rígido quando me lembro do sonho e do que havia ocorrido nele. Então me viro para Milena e a olho preocupada enquanto se põem de pé.

     – Tome cuidado, ok?

     Ela me olha e entende o sinal de alerta que transmito.

     – Tomarei. – Concorda enquanto sorri cansada. – Agora descanse.

     Faço um aceno de cabeça antes de me virar e ir abraçar Ágatha, mas antes de sair pela porta lembro-me de uma pergunta que não podia deixar de fazer.

     – Mamãe... – A chamo e ela se vira para me olhar quando estava perto da porta. – Ontem, pelo que me lembro você estava melhor, o que aconteceu?

     Ela olha rapidamente para Ágatha e depois para mim, então gesticula para a cabeça e levanta levemente as sobrancelhas e sei muito bem o que ela está querendo, então me conecto com seus pensamentos.

     Ontem você teve um ataque de sonambulismo, então quando a encontraram-na vagando pelo hospital a levaram para o quarto, mas você se debatia desesperadamente. Mamãe fica em silêncio por um curto segundo. Então decidi ajudar, mas você não suportou minha aproximação e me jogou longe com um empurrão acabei batendo de encontro à parede. Vejo-a sorrir terna. Sei que não foi por querer e também estou melhor agora.

     – Só foi uma batida leve, nada demais. – Responde em voz alta, mas tenho certeza que Ágatha não percebeu esses curtos segundos enquanto mamãe respondia outra coisa em meus pensamentos.

     Sem saber se ela ouviria ou não, respondi: Desculpa mamãe. Talvez tenha visto meu pedido de desculpas estampado nos olhos, ou não, mas mesmo assim ouvi seus pensamentos respondendo: Não foi sua culpa, antes de se virar e desaparecer atrás da porta.

     – Ufa. – Ouço Ágatha falar e me viro para olhá-la, me direciono para a cama. – Achei que esse clima entre vocês nunca iria terminar. – Ela sorri enquanto me ajuda a sentar e tapar a perna com gaze. – Nossa! Não sabia que tinha sido tão grave assim! – Exclama enquanto destapa minha coxa e olha novamente para a gaze levemente ensanguentada. – O que aconteceu? Enfiou sua perna em um triturador de papel?

     – Achei que já estava sabendo. – Respondo, lembrando que a enfermeira havia falado que Ágatha tinha ligado para o hospital perguntando qual era o horário de visitas.

     – Sim, sua mãe ligou para a minha contando o que havia acontecido. – Ela responde e puxa o lençol para esconder o ferimento antes de pegar em minha mão. – Desculpa não ter podido aparecer antes, mas mamãe inventou de visitar o vovô no sítio e me arrastou junto, só pude vir hoje.

     – Tudo bem. – Respondo e sinto meus olhos se encherem de lágrimas novamente. – O importante é que está aqui.

     Ágatha me abraça firmemente e depois de um tempo se afasta secando as lágrimas, enquanto faz o possível para não estragar a maquiagem.

     – Ah! Como você comemorou o seu aniversário na praia, então decidi trazer uma surpresa pra alegrar seu dia.

    Sorrio e seco as lágrimas enquanto Ágatha anda e pega as sacolas que havia colocado perto da cama.

     – Doçuras ou travessuras? – Pergunta apontando para as duas sacolas.

     Sorrio enquanto me lembrando da nossa brincadeira de infância, onde as doçuras são sempre eram uma comida apetitosa e as travessuras sempre alguma coisa que não podemos fazer, mas mesmo assim fazemos escondido.

    – Doçuras.

     Vejo-a futricar dentro da sacola e voltar com um potinho de comida chinesa.

     – Sabia que não estavam tratando seu estômago bem, então decidi trazer um pouco de felicidade para ele. – Diz sorrindo e o entrega em minhas mãos enquanto consigo o ouvir roncar alto, já que não almocei ainda. – Agora as travessuras... – Ela volta a mexer na sacola maior e tira uma enorme tábua de madeira de dentro.

     – Mas o que é isso? – Pergunto enquanto largo a comida do lado da cama e Ágatha coloca a tábua sobre meu colo.

     – Isso se chama Tabuleiro Ouija. – Responde e se senta ao meu lado. – Encontrei no sótão do vovô, digamos que não havia muita coisa para fazer naquela casa. – Ágatha faz uma pequena pausa. – O estranho era que ouvia um barulho esquisito lá em cima antes de subir, foi então que encontrei esse tabuleiro escondido em meio a alguns jogos. – Ela olha para mim e sorri. – Talvez tenha sido coisa da minha cabeça, mas mesmo assim pesquisei na internet o que ele faz.

     Passo o dedo sobre o alfabeto que fora escrito ali em duas linhas, uma sobre a outra e um pouco curvadas para baixo. Em uma ponta do alfabeto se encontra a palavra “sim” e do outro lado “não”. Já na parte de cima do alfabeto está escrito a palavra “olá” e abaixo “adeus”. Sinto um arrepio na coluna e empurro levemente o tabuleiro para longe enquanto Ágatha conta distraidamente o que achou na internet.

     – Essa coisa serve para se comunicar com os espíritos, não é legal? – Pergunta enquanto tira da sacola um pequeno triângulo de madeira, perto da ponta há um buraco circular. Vejo-a levá-lo até o tabuleiro e colocar em cima de uma letra, onde cabe exatamente abaixo do círculo. – Eles conseguem se comunicar através disso, montando frases e tudo mais. Pensei que poderíamos falar com Valentina.

     Olho para ela ainda me sentindo assustada.

     – Não acho uma boa ideia Ágatha. – Respondo e sabendo que não preciso dessas coisas para me comunicar com ela, mas não tenho como dizer isso para minha melhor amiga.

     – Por que não? – Pergunta e me olha de uma forma desolada como um cachorro querendo um osso. – Ninguém garante que irá funcionar mesmo.

     Olho de esguelha para o tabuleiro sentindo-o subitamente frio sobre minhas pernas, como se uma camada de gelo estivesse ao seu redor.

     – Pois então, nem vamos tentar. – Rebato. – Não sinto que será uma boa coisa.

     Ágatha bufa mal-humorada.

     – Desde quando virou sensitiva? – Pergunta e sou obrigada a reprimir o pensamento de que sou há dois dias. – Eu acho que está com medo, por que é algo novo.

     – Acertou, estou com medo mesmo, mas não por isso. – Rebato desconfortável. – Só sinto que esse tabuleiro é muito mais que um simples “joguinho”, não sei explicar.

     Ágatha prossegue me encarando por um tempo, mas logo em seguida pega o tabuleiro e se senta no chão em frente à minha cama.

     – Eu vou ver como esse treco funciona e você pode ficar ai olhando então.

     – Ágatha... – Começo a gemer. – Deixe isso para lá, por favor.

     Ela me olha e lança um sorriso maroto até um pouco diabólico.

     – Vou deixar para lá se não funcionar. – Rebate e vejo um brilho de excitação em seus olhos. – Estou curiosa, preciso saber se existem espíritos mesmo.

     Observo-a colocar os dedos sobre a ponta do triângulo e ajeitar a mão sobre o meio do tabuleiro. Sinto a temperatura cair levemente como um aviso para parar.

     – Ágatha talvez espíritos existam mesmo. – Digo e consigo ver por um curto momento todos os espíritos que julgava serem alucinações, então a observo me olhar rapidamente com curiosidade antes de se voltar para tabuleiro. – Mas podem existir coisas piores, vai saber.

     – Como o quê? – Pergunta sorrindo maldosamente enquanto fecha os olhos e volta a se concentrar.

     – Sei lá, demônios. – Falo um pouco mais alto que o habitual, sentindo o desespero me tomar por não poder falar como esse tabuleiro me assusta. – Talvez demônios existam e acabem aparecendo aqui. Isso não lhe dá medo?

      Vejo-a abrir somente um olho para mim enquanto ri de leve.

     – Para de ser medrosa Luna, essas coisas não existem. – Rebate e volto a fechar os olhos e respiro fundo, consigo sentir a temperatura baixar de vez e o ar gelado pousar sobre a pele como uma pedra de gelo, enquanto percebo que já estou tremendo.

     Ágatha permanece em transe por alguns segundos e sei que já é tarde demais, então de olhos fechados pergunta:

     – Tem alguém ai?

     Sinto minha mancha de nascença gelar, muito mais do que já gelou em qualquer outra vez, então levanto o rosto para olhá-la e vejo uma pessoa sentada de costas para a cama, o corpo curvado e a mão sobre o pequeno triângulo como ela. Seguro a respiração quando o triângulo se mexe e para sobre a palavra “olá”. Aperto o lençol contra o corpo sentindo que estou tremendo muito mais do que antes quando vejo que esse homem curvado na frente de Ágatha está vestido de branco, e com os cabelos negros caindo sobre os ombros.

     Ágatha levanta a cabeça e olha para mim surpresa com o rosto mostrando toda a empolgação que sente, mas não retira as mãos do triângulo e não parece enxergar o homem logo a sua frente.

    – Eu juro que não mexi essa coisa! – Exclama empolgada, mas prossigo o olhando assustada e sem conseguir pronunciar nenhuma palavra. – Luna, você está bem?

     Não consigo retirar os olhos do homem e quando vejo ele fica um pouco mais ereto, mas sem retirar as mãos do pequeno pedaço de madeira. Então vira a cabeça levemente para o lado e sorri para mim, seus olhos negros, sem pupila ou íris, completamente pretos e brilhantes. Solto um leve grito sentindo uma vontade desesperada de correr e levar Ágatha comigo, mas o medo é tanto que não consigo me mexer somente encarar sua pele extremamente branca e com veias azuladas se projetando abaixo da pele.

     – Ágatha... – Balbucio tremendo. – Por favor, termine com esse jogo agora.

     Ela prossegue me encarando e quando vejo está com medo também.

     – Luna, o que está acontecendo?

     – Simplesmente faça o que estou pedindo. – Olho novamente para ele que volta o rosto para frente e o triângulo de madeira começa a se mexer.

     Ágatha olha assustada pra o triângulo tentando juntar as letras e formar palavras. Então começa a ler em voz alta o que ele está sendo escrito.

     – Esse jogo só termina... Quando eu quiser. – Ela diz e levanta os olhos arregalados para mim. – O que eu fui fazer?

     Remexo-me desconfortável na cama lembrando que não posso sair de dentro do círculo, mas sabendo que Ágatha está vulnerável fora dele.

     – Como se termina esse jogo? – Pergunto desesperada.

    – Só quando a entidade for embora. – Ágatha responde com um gemido disfarçado na voz. – Vi também que às vezes eles querem alguma coisa para poder ir. – Me encolho mais ainda, não querendo perguntar o que poderia ser, mas quando vejo Ágatha já está concentrada novamente no tabuleiro. – O que você quer para poder ir embora?

     O ouço rir, mas pareceu mais um som gutural e logo em seguida o triângulo está se movendo de novo. Ágatha gruda os olhos nas letras e prossegue lendo.

     – Vocês.

     De repente sinto a necessidade de chamar por Duncan sabendo que irá fazer alguma coisa, que irá nos proteger. Foco todas as minhas forças e o chamo mentalmente, implorando que venha o mais rápido possível, sabendo que está em algum lugar no hospital. Mas quando vejo, ouço o barulho de algo trincando e um leve tremor na cama. Ágatha pareceu ter ouvido também e me olha assustada.

     – O que foi isso?

     Balanço a cabeça em negação não sabendo responder, mas decido olhar para o chão rapidamente e vejo o círculo que Duncan havia feito com símbolos na volta, foi quando reparei que um lado do círculo está rachado. Levanto a cabeça e vejo o homem na minha frente sorrindo sarcástico, enquanto leva a mão a meu pescoço e me ergue da cama facilmente como se fosse uma boneca de pano.

     Ouço Ágatha berrar, mas não a olho, não enquanto não consigo respirar. Levo minhas mãos as suas, desesperada para arrancá-las de mim, mas sinto que não tenho forças.

     – Olá Luna Prado. – Ele diz com a voz gutural e um som estranho vem se sua garganta, o hálito nojento vindo de encontro a meu rosto.

     Então ouço a porta bater e lanço com dificuldade os olhos para ver quem é. Duncan está olhando assustado para mim então começa a correr em nossa direção, cada passo ecoando em minha cabeça conforme a mão do demônio prossegue em meu pescoço. Percebo que não consigo mais sentir minhas pernas e meus braços caem ao lado do corpo, enquanto Duncan leva a mão a cabeça do demônio e uma luz forte aparece em sua palma. Depois tudo o qual me lembro, é estar caindo.

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Prólogo - Despertar da Magia

Acordo assustada, suando frio e tremendo. Levanto-me e corro para a janela do quarto, o chão de madeira range debaixo de meus passos pesados...

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Blog criado e administrado por Verônica F. Hörnne

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