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12. Iniciação

Nossos destinos foram traçados há milênios atrás.

 

    Acordo no outro dia de manhã, mas fico deitada na cama encarando o teto, me recusando a levantar e ter que encarar o decorrer do dia. Sei que mamãe já deve estar a caminho de Farol do Sul, senão já chegando, o que torna tudo ainda mais difícil de aceitar. Então me espreguiço demoradamente e levanto sem vontade, dou uma espiada pela porta do quarto em Duncan, percebendo que está completamente torto no sofá.

     Está de barriga para baixo, o braço esquerdo atirado no chão enquanto o outro está por cima da cabeça, a perna direita pende sobre o braço do sofá quase caindo e a outra está sobre o encosto em um ângulo estranho. Sou obrigada a reprimir um riso quando vejo sua boca aberta roncando alto de encontro à almofada. Com isso me dirijo ao banheiro e entro no banho antes de tomar o café da manhã.

     Visto uma calça jeans, uma camisa de meia manga preta e um cardigã na cor Bordô por cima, antes de pentear os cabelos e sair. Logo vejo que Duncan mudou de posição e está de barriga para cima, então vou até a cozinha e começo a organizar o café da manhã, quando subitamente a porta de entrada é escancarada. Viro assustada e vejo mamãe com os olhos vermelhos, os cabelos desgrenhados e o rosto pálido enquanto esquadrinha a sala, está vestindo uma calça jeans simples e uma camisa de meia manga preta. Nossos olhos se encontram por um segundo antes de ver Duncan sentando assustado no sofá.

     Ficamos nos olhando por alguns segundos até que sua atenção é voltada para Duncan que olha fixamente para Milena, sem nenhuma expressão no rosto. Então mamãe larga com brutalidade a mochila e a bolsa em um canto antes de apontar o dedo em direção a Duncan e me olhar furiosa.

     – O que ele está fazendo aqui?

     Limito a ficar quieta enquanto troco o olhar de mamãe para ele, sem saber o que responder então subitamente Duncan fala.

     – Você sabe o porquê estou aqui Milena.

     – Não ouse se dirigir a mim! – Mamãe grita e olha em minha direção. – Por que você fez isso? Por que veio pra cá sem avisar e justamente trás ele junto?

     Como se essa fosse à deixa para ficar extremamente braba, sinto a raiva ebulindo dentro do meu estômago, como se estivesse chegando à temperatura máxima.

     – Você ainda pergunta o porquê? – Exclamo.

     Milena prossegue me encarando com as narinas dilatas, como se fosse soltar fogo pela boca, mas subitamente ela respira fundo e tenta manter a voz controlada, com grande esforço.

     – Eu vim aqui para conversar e não brigar.

    – É engraçado como isso soa quando quis conversar ontem, mas você simplesmente se negou a tê-la.

    – Não me neguei a tê-la. – Mamãe rebate. – Só que é uma coisa completamente diferente você chegar ao nosso ambiente de trabalho complemente revoltada e sem querer ouvir o que tinha para dizer. – Estou prestes a rebater o que havia dito, mas ela prossegue. – E quando chego a casa descubro que você não está e muito menos na casa de Ágatha. Você consegue imaginar o meu desespero quando finalmente descobri que poderia estar aqui? – Ela olha rapidamente para Duncan. – Mas nunca imaginei que com ele.

     Olho para Duncan sem saber o que fazer, então ele se coloca de pé.

     – Vou deixar vocês sozinhas.

     – Nem deviria estar aqui. – Mamãe rebate impaciente enquanto dá espaço para que saísse pela porta.

     – Não. – Subitamente digo. – Você vai ficar, não há motivo para que saia quando tudo isso se resume a nós três.

     – Do que você está falando? – Milena pergunta com o cenho franzido e Duncan para ao lado da porta.

     Respiro fundo tentando me acalmar quando lembro sobre o que ele havia dito: que não poderia me deixar levar pelas emoções hoje.

     – Duncan é meu guardião.

     Observo a feição de mamãe se transformar em espanto, depois compreensão e finalmente preocupação, até que se subitamente fica séria.

     – Não sei do que está falando.

     – Como assim não sabe sobre o que estou falando?

     Mamãe prossegue me encarando impassível, o que me deixa com mais raiva ainda, então tento respirar fundo e ficar calma, mas é algo quase impossível.

     – Não sei Luna! – Milena exclama. – O que, diabos, é um guardião?

     – Então você não é uma bruxa? – Pergunto e logo em seguida me arrependo.

     – Uma bruxa? – Mamãe me fita com o rosto em dúvida. – Dá onde você tirou isso? – Então ela fica calada antes de desviar o olhar de mim para Duncan. – Você colocou isso na cabeça dela?

     Duncan se limita a ficar sério, mas percebo que suas narinas de dilatam levemente enquanto Milena volta seu olhar em mim.

     – Ninguém colocou nada na minha cabeça. – Finalmente digo, mas percebo que soa incerto, então apresso para não deixar a certeza vacilar. – Ontem fui ao cemitério e me lembrei de tudo.

     – Lembrou o quê?

     – Tudo o que vovó me ensinava antes de morrer. – Rebato nervosa. – Não há mais motivos para esconder nada de mim, então porque continua tentando? Por que me levou tantos anos em um psicólogo sendo que tinha as respostas? Por que mãe?

     Milena joga os braços pra cima revoltada antes de andar de um lado para o outro.

     – Não sei o que esse garoto está colocando na sua cabeça, mas seja o que for, pode parar com isso agora! – Ela olha furiosa para Duncan que permanece perturbadoramente calado. – Eu não sei o que você está fazendo aqui e muito menos o que anda falando para a minha filha, a única coisa que sei é que você irá embora agora! – Duncan cruza os braços sobre o peito. – E nunca mais irá tentar chegar perto da minha filha novamente, está me entendo?

     Duncan observa Milena com extrema calma, mas consigo ver a raiva no fundo dos seus olhos e sinceramente não sei o que esperar. Estou congelada de medo, nunca vi um olhar tão duro no rosto de alguém e estando nele, me apavora mais ainda.

     – Eu não irei a lugar nenhum, Milena, ao menos que Luna queira. – Finalmente responde com a voz fria e dura. – Se você não tem coragem de contar a verdade para a sua filha, eu tenho.

     Mamãe fica em um tom vermelho escarlate enquanto o encara.

     – Quem você pensa que é moleque? – Grita em resposta. – Está é a minha casa!

     – E eu sou o guardião da sua filha. – Duncan rebate ainda calmo. – Estou aqui para protegê-la, e é o que farei.

     Fico trocando meu olhar de um para o outro sem saber o que fazer, então vejo mamãe caminhar decida em direção a Duncan e antes mesmo de saber o que iria fazer já estava gritando.

     – Não! Chega! – Exclamo e vejo a mão de mamãe parar no ar, meio caminho para atingir o rosto de Duncan. – Não quero ouvir mais nada!

     Com isso passo voando pelos dois em direção à porta aberta, quando chego à rua percebo que não há mais ninguém, somente Duncan me seguindo.

     – Eu preciso ficar sozinha. – Digo sem rodeios e percebo que seus olhos negros me avaliam preocupados. – Por favor.

     Vejo-o hesitar por um momento e fazer um aceno de cabeça concordando enquanto volto a caminhar em direção a praia. Sinto os paralelepípedos da rua abaixo dos meus pés enquanto ando decidida até o final da rua, meu chinelo tranca rapidamente em uma pedra, mas não paro até avistar as ondas do mar e a areia macia. Ando pelo que parecem horas, mas sei que não se passaram alguns minutos enquanto me cabeça ferve de perguntas.

     Não sei o que mamãe pretende me escondendo a verdade, também não sei se Duncan realmente é meu guardião, nem de o que está falando é a pura e inabalável verdade. Não consigo confiar plenamente em nenhum dos dois, só consigo continuar com mais dúvidas e medos. A única coisa que posso me agarrar são as lembranças de vovó tentando me tornar em algo que sempre fui, mas por algum motivo mamãe não pretendia e até hoje não permite.

     Observo algumas famílias chegarem à beira do mar e começarem a instalar os guarda-sóis e as cadeiras de plástico, todos parecem felizes por esse belo dia de sol depois da intensa chuva que se derramou ontem, mas por mais que veja os pais correndo atrás dos filhos que estão aprendendo a andar em direção ao mar, não consigo sorrir, mesmo quando um deles cai na areia molhada rindo com o bebê se debatendo em seu colo querendo ir para a água.

     Essa felicidade parece tão distante que chega a me faltar o ar e sei que não é pelo sol forte que começa a queimar no céu, então deixo meus olhos marejados permitirem que as primeiras lágrimas caíssem enquanto olho o farol ao longe. Lembro que poderia ter morrido com a arrebentação forte das ondas contra as pedras e a maré alta que estava àquela noite se não fosse por Duncan, mas não consigo me sentir aliviada e nem agradecida por isso. Não quando não sei nada ao seu respeito, muito menos sobre mim mesma.

     Continuo caminhando com o pensamento longe até que minhas pernas começam a ficar cansadas, então sento no alto de um morro de areia e deixo meus pensamentos vagarem para além do horizonte. Fico horas olhando para o mar sem realmente vê-lo, quando o pôr-do-sol chega sinto pela primeira vez um pequeno alívio sobre meus ombros, enquanto meu estômago ronca em protesto. Esqueço a fome e deixo meus olhos se banharem na cor sangue que se derrama sobre o mar verde, enquanto o sol aos poucos vai sendo engolido pelas ondas. Então decido que é a hora de voltar, tiro o cardigã e os chinelos e caminho lentamente para o mar para um mergulho.

     A água gelada faz com que meus sentidos despertem e o torpor que estava em meu cérebro o dia todo sumisse. Mergulho completamente e deixo que a água salgada termine de limpar qualquer insanidade que pudesse estar pensando em fazer quando voltasse, antes de imergir novamente com as roupas ensopadas e sair. O sol adquire um tom carmesim forte, deixando que a areia da praia negra e assustadora, mas o que me chama atenção é uma silhueta escura na praia deserta.

     Meu coração dispara rapidamente quando percebo que não há mais ninguém e por um momento hesito com a água pela cintura. Observo a pessoa andar lentamente até a beira e a pouca claridade que o sol ainda transmite faz com que suas feições apareçam em tom sangue na pele morena. Duncan me fita com um leve sorriso nos lábios e isso faz com que consiga respirar novamente, por mais desconfortável que possa ser.

     Saio do mar e o encontro com os pés descalços na água, as calças dobradas sobre os calcanhares antes de subir o olhar e encontrar o seu. Suas íris negras parecem ainda mais escuras com a pouca claridade e com isso sinto um arrepio tomar conta do corpo, apesar do leve vento que bate ainda ser quente.

     – Pensei que tinha dito que queria ficar sozinha. – Digo calmamente, mas logo percebo que saiu frio e distante enquanto ele me alcança o cardigã para vestir.

     Observo o sorriso descontraído se ampliar em seus lábios enquanto começamos a andar em direção a casa.

     – E lhe dei esse tempo. – Rebate com a voz rouca. – Mas precisava saber como estava, ainda mais quando saiu há tantas horas e não havia voltado.

     – Sei me cuidar, obrigada. – Rebato e seguro os chinelos de sua mão, mas quando vejo seu rosto virando em direção ao meu, acabo fitando as ondas ao longe enquanto caminhamos de volta para casa.

     Ouço rir baixinho, mas nem por isso volto a olhá-lo e sei que parece bem evidente que estou evitando-o, e não faço nenhuma questão de mudar isso, ainda mais quando não sei o que pensar a seu respeito. Então lembro de que nos beijamos ontem à noite e isso faz com que um formigamento apareça em meus lábios, levo a mão à boca enquanto sinto uma cosquinha gostosa, como se fosse o lembrete árduo do que compartilhamos ontem. Sei que nunca senti isso por ninguém antes, como se fosse um laço nos unindo e isso faz com que me pergunte: realmente não o conheço?

      – Não estou duvidando do fato de que consegue se defender muito bem. – Duncan responde, fazendo com que saísse dos meus devaneios. – Só não podia lhe deixar completamente sozinha, sabe?

     Encontro seu olhar e de repente entendo aonde quer chegar, com isso paro o encarando, não acreditando que poderia ter feito. Então Duncan para de andar e começa a se virar sem jeito, sabendo muito bem que havia o entendido.

     – Você me seguiu?

    Duncan leva à mão a nuca como se não soubesse o que responder e isso foi o suficiente para que confirmasse as minhas dúvidas.

     – Não acredito que você me seguiu! – Exclamo quando jogo as mãos para o alto e encaro as estrelas que já aparecem no céu. – Como pode me seguir?

     – Luna, você não entende. – Ele rebate sério. – Você não é uma bruxa completa, será daqui algumas horas. Não podia correr o risco de que algo acontecesse com você nesse meio tempo. – Estou virando para lhe responder, mas vejo sua mão erguida diante do meu rosto. – Por favor, me deixe terminar. Eu respeitei o seu pedido, a deixei sozinha o tempo todo, mas precisava ficar por perto para lhe proteger, esse é o meu dever.

     – Então você é um guarda costas, é isso? – Pergunto braba. – Todo o lugar que vou, sou obrigada a ter você no meu encalço? – O encaro furiosa e o vejo abrir a boca para responder, mas já estou falando novamente. – Quem me garante que você realmente é meu guardião? Nem sei qual é exatamente o seu dever ou muito menos se realmente é um bruxo!

     Duncan fica sério enquanto me olha e sei que de alguma forma o ofendi, mas quando começa a falar soa extremamente calmo.

     – Eu sou seu guardião Luna, mas há certas coisas que ainda vai demorar pra você entender. – Rebate e dá um passo em minha direção. – Você não pode duvidar em nenhum momento que eu esteja falando a verdade, já lhe provei isso ontem. – Duncan segura em minhas mãos e sinto o formigamento subir até minha mancha, fazendo-a esquentar sobre a pele. – Compartilhamos pensamentos e o dom da cura, como pode ainda duvidar que sou um bruxo?

     Levanto o rosto e encontro seus olhos, subitamente me sinto tola por duvidar de que poderia estar realmente falando a verdade.

     – Eu... Desculpa. – Finalmente falo e baixo o rosto novamente, não aguentando ver a compaixão em seus olhos. – Eu só não consigo absorver tudo isso. Parece que está acontecendo com a vida de outra pessoa e eu sou uma expectadora, vendo tudo acontecer de longe, sem realmente participar.

     Sinto sua mão quente sobre meu queixo, fazendo com que o erga para olhá-lo e sinto que cada parte minha está sendo sugada por eles.

     – Eu sei disso e tudo logo começará a se encaixar, mas precisamos esperar que o ciclo se complete e você tenha todos os poderes. – Responde calmamente, mas logo percebo um sorriso em seus lábios aparecer. – E sobre o fato de ser um guarda costas a resposta é mais ou menos. Não preciso estar com você vinte e quatro horas por dia, só agora porque você é frágil.

     – Frágil? – Pergunto levantando uma sobrancelha.

     – Frágil em termos mágicos.

     Deixo o sorriso se expandir em meu rosto quando vejo que está rindo, então ele me abraça rapidamente e beija o alto da minha cabeça antes de voltarmos a caminhar pela beira do mar, só que dessa vez de mãos dadas.

     Sinto o calor da sua pele na minha e não posso negar um fato importante, por mais que tenha entrado na minha vida de uma forma completamente estranha e um tanto perturbadora, não consigo questionar o fato de que posso confiar em Duncan, por mais que a lógica grite desesperada na minha cabeça para ficar em alerta. Agora de mãos dadas caminhando que percebo como isso é natural de uma forma estranha.

     – É estranho.

     – O que é estranho? – Ele pergunta sondando meus olhos com curiosidade, ainda mais depois de termos ficado alguns segundos calados.

     – É estranho como confio em você. – Respondo enquanto mexo o dedão da mão direita para que fizesse um carinho discreto na sua. – Quando na realidade você não passa de um estranho.

     Observo-o trincar a mandíbula rapidamente e seus olhos ficarem duros por um instante, mas sem perder o brilho ao fundo.

     – Quando um bruxo encontra seu guardião eles criam um laço inquebrável, por mais que nunca tenham se visto na vida. É algo que une os dois para sempre Luna, não se tem como explicar.

     – Por que todo o bruxo precisa de um protetor? Por que eles têm essa ligação?

     – Por que existem vários tipos de bruxos no mundo, cada um tem uma tarefa diferente para ser realizada. – Duncan faz uma pequena pausa e olha para o chão. – Alguns bruxos têm seus guardiões, mas que no fundo não precisam de proteção, já outros dão a vida por eles se for necessário.

     Fico o observando sabendo que mal começou a contar tudo o que devo saber, mas me limito a ficar quieta esperando a continuação que veio logo em seguida.

     – Dependendo da tarefa imposta para o bruxo, a qual ele irá desempenhar o resto da vida, é que se escala um guardião. Quanto mais dura for à vida do bruxo, mais proteção ele terá de ter de seu guardião. – Ele levanta a cabeça para me olhar e vejo dor no fundo de seus olhos. – Alguns guardiões crescem junto com seus bruxos sem realmente saber sobre seu destino.

     – E você sabe qual é a tarefa que foi empenhada a mim, não é mesmo? – Pergunto e sinto que tudo a minha volta está prestes a desmoronar. – Por isso está com medo, consigo senti-lo em mim.

     Duncan vira o rosto rapidamente para frente, mas quando o volta em minha direção, seus olhos não encontram os meus e com isso sinto tudo a minha volta começar a diminuir.

     – Quando falei que havia descoberto tudo há uma semana, não foi mentira.

     – Duncan, você está me assustando.

     Ele levanta a cabeça e olha para mim, sinto a compaixão e o medo me abraçarem sabendo que o que estou prestes a ouvir não será a notícia do ano. Então ele aperta minha mão com mais firmeza e sinto o formigamento se espalhar pelo corpo novamente, fazendo com que me acalmasse instantaneamente.

     – A única coisa que precisa saber agora é que estou aqui para proteger você.

     – Eu sei. – Concordo contra vontade. – Mas se preciso de proteção, então significa que minha tarefa não é moleza. – O vejo suspirar e olhar para o lado. – Duncan me conte a verdade, preciso saber.

     O silêncio pesado se instala a nossa volta, tão denso que sinto que posso tocá-lo com a ponta dos dedos. Duncan não sente pressa de desfazê-lo, muito pelo contrário, sinto que ele faz o possível para estendê-lo o máximo que pode enquanto prosseguimos andando, mas parece que não há um rumo agora.

     – Tudo bem. – Ele finalmente diz. – Vou começar a contar uma história e peço que tenha paciência para ouvi-la até o final.

     Faço um aceno de cabeça concordando.

     – Os primeiros seres humanos que habitaram a Terra e tinham consciência perceberam que tudo está interligado no mundo, a natureza e o ser em si. Quando repararam que essa ligação era dada através de energia pura começaram a aprender a usá-la. – Duncan olha para o lado oposto para uma pedra em destaque na areia. – Como, por exemplo, aquela pedra.

     Ele faz um movimento com os dedos e a pedra se mexe levemente até que se levanta e flutua até sua mão.

      – Consigo pegá-la sem precisar tocá-la devido à energia que ela tem. – Continua e entrega a pedra em minhas mãos. – Só que há objetos que transformamos magicamente para que protejam outras pessoas, como a rosa azul.

     Levanto meu rosto para o seu e vejo-o olhar distraído para minhas mãos.

     – Como você sabe sobre a rosa azul?

     Duncan sorri distraído.

     – Por que fui eu quem a fez. Como você está em fase de transição criei um talismã para que controlasse seus poderes. – Diz calmamente e encontra meu olhar. – Todo o bruxo nasce sabendo o que se é e são treinados até os dezoito anos para seguir seu destino e dever. Você não teve isso então tudo indicava que não saberia lidar com a transformação. – Faço um aceno de cabeça concordando, mas a cena da pedra levantando no ar e parando em suas mãos continua fresca na mente, assim como a sensação calorosa de saber que a rosa azul veio dele. – Mas voltando à história... Eles começaram a usar essa energia a seu favor conseguindo se comunicar com animais, ouvir pensamentos, mover objetos, conseguir se comunicar com pessoas mortas e até mesmo mudar o clima. Só que, com o passar do tempo, esses ensinamentos ficaram resumidos a pequenos grupos, pois haviam outros que não tinham esse dom e não o aceitavam. Quando a Idade Média começou houve os primeiros assassinatos dessas pessoas que foram denominadas “bruxas” por terem dons que os outros não sabiam explicar. E desde então as famílias sobreviventes se escondem do resto do mundo, trabalhando e protegendo-as do mal que foi descoberto na mesma época: os demônios. – Duncan respira fundo e parece se perder rapidamente na própria história. – Ontem quando você viu aquelas pessoas de branco na rua, eram demônios, e eles estão em todos os lugares só esperando a oportunidade de atacar.

     Deixo essa informação ser absorvida enquanto ele me fita, esperando que entendesse exatamente a aonde quer chegar.

     – Está querendo dizer que nós lutamos contra eles? Mas exatamente por quê? E por que eles não nos atacaram ontem?

     – Não nos atacaram porque estava ali para nos proteger, agora entende porque não a deixei sozinha essa tarde? – Pergunta e finalmente entendo o quão frágil realmente estou. – Os demônios são energia negra, tão densa e pesada que não precisam fazer muito para tornar a vida de uma pessoa normal em um verdadeiro caos. Na maioria das vezes eles chegam a causar a morte dessas pessoas, que é o objetivo. No caso, nós impedimos isso.

      – Ei, ei. Calma aí. – Digo e balanço o rosto em negação. – Como isso...?

     – Eu sei que é confuso, mas me deixe terminar. – Duncan pede e sou obrigada a prestar atenção na continuação em vez de deixar minha cabeça girar. – Por isso temos esses dons especiais e a nossa vida é arriscada. Entende agora por que todo o bruxo tem um guardião? – Ele sorri e pega em minhas mãos novamente. – Só que há entre os bruxos, as famílias mais antigas e mais poderosas, como também temos leis a serem seguidas. Uma delas e a mais importante é não contar a ninguém sobre o que somos e fazemos, senão colocaremos em risco as pessoas que amamos.

     Na mesma hora vejo o rosto de Ágatha rindo em minha cabeça e isso faz com que uma dor no meu peito apareça. Nunca pensei em nenhum momento em não compartilhar nada com a minha melhor amiga, ainda mais um peso desses.

     – Por isso não posso contar a Ágatha. – Finalmente afirmo em um sussurro.

     – Isso mesmo. – Ele concorda. – Na maioria das vezes vivemos como nômades para não criarmos laços com ninguém assim não dói tanto partir. – Duncan sorri rapidamente. – Mas não é algo que teremos de fazer agora, não se preocupe.

      Concordo, mas prossigo calada encarando a areia no chão, enquanto percebo que separamos nossas mãos e nem sei quando isso aconteceu. Então um questionamento aparece em minha cabeça e não penso duas vezes em fazê-lo.

     – Então foi por isso que pediu para tomar cuidado com meu humor hoje, por que posso mexer com qualquer energia a minha volta, não é? – O vejo concordar com a cabeça. – Então quer dizer que tenho tanto poder que posso machucar gravemente alguém ao ponto de...

      – Sim, você pode matá-la sem querer Luna. – Duncan finaliza e subitamente paro, mas logo suas mãos se entrelaçando nas minhas. – Mas isso não irá acontecer, por que estou aqui com você.

     Observo seus olhos enquanto sinto uma calma estranha aparecer, como se dissesse para não me preocupar por que ele está aqui por mim, então sorrio levemente e me aproximo para beijá-lo. Duncan me envolve rapidamente como se fosse uma cápsula de calor fazendo com que derretesse e esquecesse qualquer problema, pelo menos enquanto estivesse em seus braços. Mas quando vejo, um pensamento invade minha cabeça e me afasto rapidamente para olhá-lo.

     – Você disse que estamos ligados para sempre, o que quis dizer com isso?

     Um sorriso debochado aparece em seus lábios.

     – Significa que ficaremos juntos até partimos. – Responde e me beija novamente sussurrando contra meus lábios. – Você vai ter que me aguentar por muito tempo.

     Sorrio e entrelaço meus braços em seu pescoço.

     – Isso não está parecendo tão ruim agora. – Rebato enquanto seus lábios encontram meu pescoço. – Mas tenho outra dúvida. – O ouço gemer baixo de encontro a minha pele. – Todos os guardiões tem essa ligação?

     Duncan para subitamente e levanta o rosto para me olhar.

     – Não que eu saiba. – Responde, mas logo fica pensativo. – Conheço alguns que tinham uma ligação tão forte que acabaram morrendo quando seu bruxo partiu, como se fossem um só e como há também, outros que constroem uma vida juntos, como um casal.

     Prossigo o olhando com atenção e sentindo a tensão no ar, mas logo Duncan leva a mão ao meu rosto e acaricia a bochecha, fazendo com que relaxasse por alguns instantes.

     – O que você sentiu quando me viu pela primeira vez? – Pergunto e lembro-me da imagem nessa praia, então a lanço para sua mente mostrando cada detalhe que me lembro. – Como você se sentiu quando descobriu que seria a mim que teria de proteger?

     Um sorriso triste aparece em seu rosto.

     – Sabia que era você aquele dia, mas não podia ter certeza. – Ele ri levemente. – Gondra a viu naquela noite, meu protetor, e lançou para meu cérebro a silhueta de uma garota nos olhando de longe foi quando me virei e a vi rapidamente, mas você correu antes de confirmar qualquer coisa.

     – Fiquei com medo. – Afirmo, sentindo um calafrio pelo corpo. – Era como se soubesse que você estava aqui por causa de mim.

     – E estava. Sempre estive e sempre estarei. É meu destino cuidar de você.

     Sorrio sem jeito enquanto ele me abraça forte.

     – Quando a vi pela primeira vez na praia... – Ele começa a sussurrar de encontro ao meu ouvido. – Tudo o que queria era lhe abraçar e lhe proteger do mundo, mas quando a vi no colégio uma semana depois, que tive a certeza de que daria minha vida por você sem hesitar.

     Afasto-me levemente e vejo em seus olhos um brilho tão intenso que sinto os meus se encherem de lágrimas, um brilho de certeza e decisão.

     – Como pode dizer isso?

     – Por que somos um só.

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Prólogo - Despertar da Magia

Acordo assustada, suando frio e tremendo. Levanto-me e corro para a janela do quarto, o chão de madeira range debaixo de meus passos pesados...

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Blog criado e administrado por Verônica F. Hörnne

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