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6. Primeira Fase

Nem sempre os primeiros sinais veem como se espera.

 

    Não posso negar que quando vi aquela moto preta reluzindo na garagem senti vontade de correr para o lado oposto, mas também não posso dizer que não acabei me acostumando com ela. E conforme as semanas passavam me vi familiarizada com ela e cada vez mais próxima de Duncan, de uma forma até um pouco íntima. Finalmente me entendi que não há mais como afastá-lo e percebo que realmente não quero, mas o conflito entre o que vi naquele dia e o que me mostra todos os dias no colégio é gritante. Várias vezes me vi ao ponto de perguntar sobre aquela noite, mas sempre havia algo para me impedir e agora já não sei mais se vale apena. Mas todas as essas dúvidas, começam há ficar um pouco de lado conforme o tempo passa, hoje em dia vejo que a minha prioridade não é mais essa.

     Lembro-me então que essa semana é o meu aniversário e sinto algo grande vindo com essa data. Tento afugentar essa sensação desde que o mês de abril começou junto com os primeiros ventos frios que tomaram conta da cidade. Ainda não acredito que o tão esperado dezoito anos chegou e não parece ter muito significado nos últimos dias. Ágatha queria fazer uma grande festa de comemoração lá em casa, mas logo Milena cortou suas expectativas, dizendo que planeja fazer algo reservado só nós duas na casa da praia.

     Até agora não consegui entender muito bem o porquê, justamente no meu aniversário de dezoito anos que ela planeja ir para a praia, nunca fizemos nada relativamente parecido com isso, mas a curiosidade é tanta que não consegui falar não. Talvez mamãe esteja planejando algo único e surpreendente, por isso queira ir para a casa da praia, apesar de ser início do outono.

     – Luna?

     Viro-me para Duncan esquecendo completamente que estávamos na biblioteca do colégio, um sentado ao lado do outro como se fossemos velhos amigos, mas sabia que não era isso o que viam. Por que por mais que não quisesse me envolver, não posso negar o fato de que ele mexe profundamente comigo. Que sinto como se cada célula de meu corpo estivesse mergulhada em um copo de vodca quando estou perto dele.

      – Desculpa. – Finalmente respondo. – Estava longe daqui.

     – Percebi. – Ele sorri torto para mim e sinto meu estômago afundar dentro da vodca. – No que estava pensando?

     Tiro o lápis de trás da orelha e começo a batê-lo na mesa, pensando se devo ou não contar a verdade. Na realidade ele não tem nada a ver com o que vamos fazer no meu aniversário, mas uma vozinha fala alto na minha mente que tenho a obrigação de falar, o que me deixa ainda mais inquieta.

     – Só estava pensando sobre meu aniversário. – Respondo ainda com o pensamento longe. – É que esse ano vai ser diferente dos outros.

     Ele franze o cenho distraído enquanto examina sem interesse uma anotação no caderno que o obriguei a escrever.

     – Por que vai ser?

     – Não faço ideia. – Respondo sinceramente. – Talvez por que eu vá fazer dezoito anos ou talvez porque mamãe queira fazer algo inusitado. Não sei.

     – E você não tem a menor ideia sobre o que a sua mãe está planejando, não é? – Pergunta me fitando humorado, como se estivesse gostando do fato de que não sei tudo.

     – Sim. – Concordo e sustento seu olhar, mas sem querer parecer presunçosa. – É que geralmente nós compramos uma torta, ou vamos a alguma pizzaria, às vezes nós juntamos alguns amigos e fazemos uma festa pequena. Não sei por que justamente agora ela quer fazer algo tão distante da cidade.

     Duncan franze o cenho, mas dessa vez não desvia o olhar para o caderno e sim em um ponto distante, atrás de mim. Fico tentada a virar para ver quem poderia ser, mas logo percebo que ele está submerso em pensamentos e não olhando alguém. Então subitamente ele volta a si e encontra meu olhar por um curto segundo antes de virá-lo em direção a mesa.

     – Por que longe da cidade?

     Observo sua reação estranha antes de responder hesitante.

     – Vamos para a casa da praia esse ano. – Respondo e logo lembro que foi o primeiro lugar que o vi, por mais que não saiba disso e sinto um calafrio subir.

      – Bom, se sua mãe acha que vai ser algo bom vocês fazerem algo diferente esse ano, então porque não arriscar? – Pergunta sorrindo, o que me faz franzir o cenho, como se ele conseguisse mudar o humor como muda de roupa. – Talvez você se surpreenda e perceba que esse aniversário vai ser melhor que os anteriores.

     Olho para meu caderno sem saber o que responder, ainda mais sobre o fato dele parecer tão interessado sobre o que farei, mas logo me distraído quando subitamente penso como seria um aniversário se meu pai fosse vivo. Talvez ele passasse brincando comigo, ou me levando para ver uma partida de futebol ou simplesmente indo pescar. É engraçado como isso veio em minha mente logo agora, talvez seja pelo fato de que farei dezoito anos e ele não estará presente. Mas é estranho pensar nisso quando cresci sem o conhecer, sem nem ao menos saber do que morreu ou como era com mamãe antes de saberem que viria ao mundo. Pensando bem, nem sei como é o seu rosto, nunca vi uma única foto em casa, sempre achei que na realidade Milena sempre quis que pensasse que ele nunca existiu.

     – E quando é o seu aniversário? – Pergunta subitamente, então viro para olhá-lo.

     – Essa semana.

    – Bom, agora que sei quando é seu aniversário, acho que tenho a obrigação de comprar um presente, pelo menos de agradecimento. – Duncan pisca um olho e aponta para os cadernos. – Sabe por me dar aulas.

      Sorrio sem querer enquanto percebo a sinceridade em seus olhos.

     – Não precisa comprar nada. Nem irei comemorar em Rovena.

     – É o mínimo que posso fazer. – Rebate com o clássico sorriso torto nos lábios. – Você vai viajar quando?

     – Sexta-feira depois da aula.

     – Tudo bem, sexta-feira de manhã lhe darei o seu presente.

     – Quero só ver o que vai ser. – Digo rindo levemente.

     – Espere e verá. – Duncan rebate e vira o rosto para frente ainda sorrindo.

     Olho novamente para os cadernos sobre a mesa, mas percebo que as letras começam a se embaralhar. Pisco tentando clarear a mente, mas ela parece enevoada, os pensamentos fogem para longe quando tento pegá-los e aos poucos tudo começa a girar.

     – Algum problema Luna? – Duncan pergunta preocupado e tenho quase certeza que me agarrei a sua mão em cima da mesa.

     – Não estou me sentindo muito bem.

     Ele leva a mão ao meu rosto erguendo para olhá-lo logo em seguida leva o dedão a minha bochecha, puxando-a para baixo para ver a parte interna de meu olho. Então coloca a mão em minha testa e franze o cenho.

     – O que está sentindo?

     – Tontura. – Respondo e um enjoo cresce na boca de meu estômago. – Só preciso ir para casa, descansar um pouco. – Quando vejo começo a ver pontos negros dançarem em torno de Duncan, piscando e sumindo como fogos de artifício. – Duncan eu vou...

     Quando percebo minha cabeça bate de encontro ao seu braço e tudo rapidamente fica escuro. Depois de um tempo, em completa escuridão, acordo e vejo o teto branco de meu quarto, viro-me e enfio a cabeça no travesseiro tentando fugir da claridade. Logo em seguida sinto uma fisgada no estômago e corro para o banheiro. Só dá tempo de levantar a tampa do vaso e enfiar meu rosto ali dentro.

     A bile sobe rapidamente e queima minha garganta. O gosto ruim toma conta da boca, tento respirar, mas mais bile vem e a vomito no vaso. Faço isso umas três vezes, sentindo que não há mais nada consistente em meu estômago para ser posto fora. Então me levanto com dificuldade, mas minhas pernas estão moles enquanto dou a descarga e vou escovar os dentes na pia.

     Quando estou saindo do banheiro ouço vozes vindas da sala. Então a lembrança de estar com Duncan no colégio há pouco tempo atrás vem em minha mente. Olho novamente para a janela de meu quarto e percebo as cores do crepúsculo, observo que começavam a se apagar lá fora. Mamãe já está em casa ou está prestes a chegar, mas de quem será a outra voz?

     Caminho pelo corredor e começo a descer as escadas, conforme chego mais perto às vozes ganham mais nitidez e me demoro mais para chegar.

     – Como entrou aqui?! – Ouço minha mãe perguntar histérica. – Como nos encontrou?

     – Vocês moram desde sempre nesta casa. – Ouço Duncan responder e fico congelada no degrau, segurando a respiração ao máximo, como se pudessem me ouvir. – A Luna passou mal, precisava trazê-la para cá.

     Ouço mamãe soltar um grunhido como se estivesse resmungando e ao mesmo tempo rindo como uma louca.

     – Você não devia estar aqui. Não agora! – A ouço andar para perto do sofá. – Desde quando está aqui?

     – Um mês e duas semanas.

     Sinto meu estômago dar outra fisgada e rapidamente tudo some de foco. Seguro-me na parede e respiro fundo tentando retomar os pensamentos.

     – Luna precisa de mim aqui, ainda mais agora...

     – Luna não precisa de você, ela precisa de mim e estou aqui por ela.

   – Mas você não pode ajudá-la e sabe muito bem disso, Milena. – Duncan a interrompe como ela havia feito com ele anteriormente.

     – E você pode? – Ouço-a gritar com ele e gemo com a fisgada que me dá no estômago. – Quem você pensa que é moleque? Você não passa de uma criança!

     Ouço Duncan suspirar junto comigo e os pontos negros voltam a dançar na minha frente. Desço alguns degraus com os pés descalços, mas paro três degraus de chegar à sala.

     – Você sabe quem eu sou Milena, sempre soube.

     Um silêncio se propaga na sala e ouço mamãe soltar outro grunhido.

     – Você não pode ser... Não.

     Quando percebo estou de encontro ao chão gelado da sala de estar. Ouço passos a minha volta, mas tudo o que consigo fazer é tremer incontrolavelmente, enquanto sinto meu corpo inteiro sacudir como se estivesse levando um choque.

     – Luna! – Ouço mamãe gritar e logo em seguida suas mãos estão segurando minha cabeça contra o chão, evitando que ela prossiga batendo de encontro à tábua. – Faça alguma coisa!

     Vejo de relance uma sombra negra aparecer em meu campo de visão, mas a dor no meu tórax só aumenta. Sinto como se um trator estivesse passando em cima de mim, triturando cada osso, esmagando cada órgão. Minha cabeça parece que vai explodir, o cérebro sendo apertado pelo crânio.

     Ouço um grito gutural sair de minha boca antes de uma enorme luz vir da sombra negra. Sinto cada parte de meu corpo queimar como se estivesse em uma fornalha, então me debato mais de encontro ao chão enquanto aos poucos começa a cessar e quando vejo, já havia sido sugada para a escuridão novamente.

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Prólogo - Despertar da Magia

Acordo assustada, suando frio e tremendo. Levanto-me e corro para a janela do quarto, o chão de madeira range debaixo de meus passos pesados...

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Blog criado e administrado por Verônica F. Hörnne

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