2. Surpresa

Quando está escrito, não adianta lutar contra o destino.
Uma semana depois que as aulas começaram acordo assustada devido a outro pesadelo, mas esse já virou um costume vir em quase todas as noites. Acabo revivendo a cena da praia, mas o final não é o mesmo. Quando seus olhos encontram os meus em meio à chuva, um trovão rasga o céu e quando o vejo já está em minha frente, me fitando sério e esperando o momento de me atacar, mas nunca acontece. Com isso encaro o teto do quarto enquanto sua imagem some das minhas vistas e percebo que estou mais fraca e indispostas do que deveria, mas preciso lutar contra. Levanto-me sem vontade e faço todo o meu ritual da manhã: cuidar das minhas necessidades biológicas, escovar os dentes, me arrumar, fazer a maquiagem, pegar a bolsa com os materiais e descer para tomar café.
Viro à direita quando desço a escada e entro na vasta cozinha, a claridade da manhã invade-a potente e vejo mamãe correndo de um lado para o outro, enquanto faz várias coisas ao mesmo tempo.ma semana depois que as aulas começaram acordo assustada devido a outro pesadelo, mas esse já virou um costume vir em quase todas as noites. Acabo revivendo a cena da praia, mas o final não é o mesmo. Quando seus olhos encontram os meus em meio à chuva, um trovão rasga o céu e quando o vejo já está em minha frente, me fitando sério e esperando o momento de me atacar, mas nunca acontece. Com isso encaro o teto do quarto enquanto sua imagem some das minhas vistas e percebo que estou mais fraca e indispostas do que deveria, mas preciso lutar contra. Levanto-me sem vontade e faço todo o meu ritual da manhã: cuidar das minhas necessidades biológicas, escovar os dentes, me arrumar, fazer a maquiagem, pegar a bolsa com os materiais e descer para tomar café.
– Bom dia mamãe. – Digo sonolenta.
– Bom dia meu amor. – Responde, me dando um beijo na testa enquanto pousa algumas coisas na mesa. – O que vai querer para o café hoje?
– Só um copo de café, porque acordei um pouco enjoada.
– Iii... O que aconteceu? – Mamãe coloca a mão em minha testa. – Está sem febre. São os remédios que estão fazendo mal de novo?
– Não. Estou bem, juro. Só acordei um pouco indisposta, vai passar.
– Tudo bem, qualquer coisa já sabe. – A vejo erguer as sobrancelhas, como se quisesse me dar um sinal mudo de que sempre serei sua prioridade.
– É só ligar que você larga tudo e vem me ver. – Interrompo-a finalizando a frase. – Pode deixar, mas não vai precisar, vai por mim.
Mamãe me examina dos pés à cabeça com seus olhos castanhos claros, tentando detectar alguma coisa errada. De certa forma isso é engraçado ainda mais quando quer parecer brava já que seu tamanho não ajuda muito nisso. Milena tem baixa estatura, – alguns centímetros a menos que eu –, possui o cabelo cortado como Chanel e extremamente liso, tem o rosto fino e o corpo bem traçado.
– Tudo bem. Confio em você. – Mamãe se senta de frente para a mesa e começa a mordiscar as bolachas. – Marquei uma consulta com o Doutor Jair para depois do colégio. Não se preocupe, não precisa me ajudar na floricultura hoje.
Suspiro alto e me surpreendendo como consegue levar isso com tanta naturalidade, como se estivesse levando a filha ao parquinho depois da aula.
– Tudo bem. – Faço uma pausa, tomando um gole de café enquanto procuro as palavras certas. – Mãe, eu acho que não preciso mais ir ao Jair.
Ela levanta a cabeça da xícara de café e me olha desconfiada, então respira fundo e me examina sem pressa. Se me esforçar consigo ver as engrenagens de seu cérebro funcionando, como estivesse procurando alguma coisa que aconteceu para afirmar o que está prestes a dizer, e não me surpreendo nem um pouco quando o golpe vem certeiro.
– Se não precisa ir ao Doutor Jair, então me diga o que eram aquelas roupas molhadas no chão de casa no sábado, quando estávamos na praia?
Direciono meu olhar para dentro da xícara sem querer responder, por mais que já soubesse que um dia iria tocar no assunto. Lembro que a vi fitando as roupas no chão e logo em seguida as ignorou, senti que naquele momento optou por tocar no assunto na hora certa e esse momento chegou.
– Não me venha dizer que não foi nada Luna. – Prossegue enquanto tomo um gole, mas sinto o café trancar na garganta. – Olhe para mim, por favor. – Levanto o rosto e ela pega em minha mão. – Só quero que continue indo, porque me preocupo com você.
– Eu sei mãe. – Admito. – Mas já estou em tratamento faz cinco anos e continuo do mesmo jeito. Não há nada que ele possa fazer, porque se houvesse o efeito seria maior, não concorda?
Vejo-a desviar o olhar rapidamente e dar um suspiro alto de exaustão.
– Nós já conversamos tantas vezes sobre esse assunto...
– Eu sei. – Interrompo-a. – Mas você não vê a realidade? – Respiro fundo, não querendo mentir, mas me vendo na necessidade de me libertar da prisão de remédios e consultas frequentes. – Estou melhor do que nunca. Não tenho mais alucinações e os pesadelos estão diminuindo.
Ela me observa por um momento, me analisando, tentando ver se estou mentindo e logo depois ela estreita os olhos e aperta um lábio no outro, formando uma linha fina e dura que faz com que tranque a respiração.
– Se os pesadelos e alucinações andam diminuindo o que era aquela roupa molhada no sábado? – A vejo levantar um dedo na minha direção antes de me permitir dar uma resposta. – Não me conte nenhuma mentira Luna. Você sabe muito bem que faço tudo pelo seu bem.
– Eu sei disso, mãe. – Engasgo antes de prosseguir falando, mas de certa forma veio em bom momento. – Sonhei com a vovó, só isso. – Levanto a cabeça da xícara de café. – Então decidi sair um pouco para ver se a falta dela e a dor iriam diminuir antes de voltar a dormir, mas no meio do caminho começou a chover.
Percebo meus olhos começarem a nublar, não querendo mentir para mamãe acabei trazendo uma verdade à tona. Já faz mais de cinco anos que ela partiu e comemoro meu aniversário de dezoito anos, daqui um mês. Todas as comemorações desde que vovó morreu são as piores datas para mim.
– Ah! Filha. – Vejo-a levantar do seu lugar e me abraçar forte. – Também sinto a falta dela, mais do que possa imaginar. – Sussurra com o rosto colado em meus cabelos.
– Eu sei mãe, mas é tão difícil. – Respondo engasgada e sem querer me agarro a sua blusa como se fosse à coisa mais sólida, procurando o conforto que só Valentina podia me dar, e sem querer revivo a falta dela de uma forma mais intensa do que planejava.
– Eu sei, eu sei.
Ficamos abraçadas por alguns instantes antes de ambas saírem fungando e secando as lágrimas dos olhos. Mamãe senta novamente e sorri levemente para mim enquanto levo a xícara aos lábios antes de falar.
– Sabia que Valentina que escolheu seu nome?
Levanto o rosto surpresa, parando de secar as lágrimas, não estava esperando que falasse isso e dessa forma tão casual, depois do que aconteceu agora.
– Não sabia.
– Ela foi a primeira a ver seu sinal de nascença atrás do ombro e por um bom tempo ficamos nos perguntando da onde havia surgido, pois ninguém na família tem. – Diz distraída enquanto olha para dentro da xícara. – Chegamos à conclusão de que isso a tornava mais especial ainda e logo em seguida o nome Luna veio na cabeça de mamãe, e perguntou o que eu achava. Na hora percebi que era o mais adequado. – Milena me olha e sorri tristemente antes de tomar o resto do café e mudar de assunto. – Mas vamos fazer o seguinte então: você vai hoje no final da tarde no Doutor Jair, conversa com ele e depois decidimos o que fazer, ok?
Suspiro baixinho antes de responder, pensando nos prós e nos contras. Também não posso negar o fato de que ele me ajudou bastante no início e também aceitei o fato de que os remédios me ajudaram muito, e que ele respondeu minhas diversas perguntas por um bom tempo. Só que hoje em dia parece que nada do que ele diz faz sentido. É como se tudo fosse uma mentira para suprir minhas perguntas sem respostas.
A imagem daquele sorriso forçado e aqueles cabelos grisalhos vêm em minha cabeça, fazendo com que esqueça completamente das coisas legais que ele fez por mim e deixe uma sensação de vertigem na boca do estômago. Então de repente começo a sentir mais falta da vovó do que já estava, pois sei que ninguém nunca irá me entender como ela entendia.
– Tudo bem mãe.
– Agora termine seu café e corra para o colégio, já estamos atrasadas.
– Estamos sempre atrasadas. – Rebato com um sorriso nos lábios.
Depois de uns minutos mamãe foi abrir a floricultura, enquanto eu vou para colégio, antes que chegasse atrasada demais - como normalmente chego -. Ainda mais que pedi que Ágatha, minha melhor amiga, me esperasse em frente ao colégio, para que chegássemos juntas como sempre. Com isso paro para pensar que a conheço desde a primeira série e estudamos juntas no Colégio Estadual Cândido Afonso, algumas vezes fomos separadas ao longo dos anos, mas atualmente conseguimos nos unir na mesma turma novamente, o que torna o segundo ano do Ensino Médio melhor do que esperávamos.
Ergo a cabeça enquanto coloco os fones de ouvidos, examinando a rua ao redor e de como ela é deserta a esse horário. O clima não está muito quente, já que estamos no verão, essa é uma das coisas boas de estudar nesse horário, o clima é agradável. Mas já à tarde é um inferno de quente, ainda mais que trabalho na floricultura com a mamãe. Isso faz com que me pergunte se o fluxo estará grande hoje, já que não irei trabalhar.
Prossigo caminhando para o colégio e tentando espantar da mente a consulta que irei ter nesta tarde, e no que irá dar a conversa com Jair. Sabendo que provavelmente não irá dar em nada e ele vai convencer mamãe de que o tratamento é realmente prolongado, pois tem que atingir meu subconsciente para ter mais resultado e blá, blá, blá.
Depois de um tempo já havia caminhado as dez quadras até o colégio, e deparo-me com a enorme construção de tijolos laranja do outro lado da rua. O colégio tem o muro na cor creme que se ergue como uma muralha protegendo tudo que está em seu interior. O campo em frente é largo e vasto, várias árvores se erguem em diversas partes com troncos de cor de osso e folhas verde escuras que lembram gotas. Respiro fundo fechando os olhos enquanto uma brisa bate de encontro ao meu rosto, mas de repente ouço uma voz aguda gritar meu nome em meio à música dos fones de ouvido.
Retiro os fones a tempo de ouvir Ágatha dizer.
– Luna, isso não é hora para meditações!
Sorrio pensando que não poderia meditar ouvindo rock ‘n’ roll e atravesso a rua, percebendo pela primeira vez que não há mais ninguém na frente do colégio.
Abraço-a enquanto fala alto perto de minha orelha.
– Nenhuma só vez você pode chegar no horário?
– Você sabe que não. – Rebato enquanto sorrio.
Ágatha tem os cabelos castanhos encaracolados e os olhos da mesma cor, sempre cheios de maquiagem colorida, enquanto os meus somente contornados de preto. Suas bochechas são cheias e rosadas, das quais ela odeia. Os lábios finos hoje estão em rosa Pink combinando com a regata preta que diminui o volume de seus seios. Uma calça skinny jeans clara e nos pés vans azul bebê.
Entramos correndo pelo portão, enquanto deixava ecoar logo atrás o meu bom dia para Gustavo que fica monitorando a entrada. Começamos a subir as escadas principais que ficam no saguão inferior, mas ouvimos a voz do diretor começar a ficar próxima. Então demos meio volta e atravessamos às pressas o corredor inferior até as escadas dos fundos. Nossos passos ecoando conforme corríamos. Quando finalmente chegamos me agarro no corrimão, sentindo meus pulmões queimarem a o ar sumir. Ágatha senta no degrau ofegante, eleva seu olhar para o meu enquanto tenta falar.
– Acho que deixei meus pulmões na curva do saguão, preciso voltar para pegar.
– Sem chance. – Rio. – Depois arranjamos um par mais saudável. Agora vamos. – Puxo-a pelo braço para que prosseguíssemos subindo.
Paramos olhando o longo corredor quando chegamos, sem sinal de ninguém por perto. Então seguimos para a nossa sala já nos preparando para o futuro discurso que iríamos receber.
– Que professora temos agora? – Pergunto na esperança de que não seja quem penso, mas a pouca que tinha some quando a ouço responder.
– Professora Duarte. – Ágatha engole em seco. – De sociologia.
– Droga! – Reclamo baixinho enquanto paramos na frente da porta, ergo meu olhar examinando o número 202 em bronze, grudado no alto do marco. – É, é aqui... Está preparada?
Vejo-a balançar a cabeça em negativa e logo depois suspirar.
– É, mas vai ter que ficar. – Rebato enquanto ergo a mão em punho para bater na porta de madeira escura, segurando a respiração.
Depois de alguns segundos vejo a senhora Duarte abrir a porta e nos encarar com a feição dura enquanto olha para mim, e não preciso ler pensamentos para saber o que pensou: “De novo essa garota chegando atrasada na minha aula”.
Tento esquecer sua cara murcha e os cabelos ruivos desgrenhados, o nariz torto e fino abaixo dos óculos de grau com armação roxa enquanto espero que sua voz insuportavelmente arranhada saia entre os dentes levemente amarelados.
– Luna Prado e Ágatha Pereira... Novamente.
– Bom dia senhora Duarte. – Dissemos em uníssono enquanto ouço algumas pessoas rirem baixinho no fundo da sala, o que me fez quase revirar os olhos.
– Será que podemos entrar? – Ágatha pergunta ao meu lado.
– Não sei. – Rebate. – Não é a primeira e nem a segunda vez que se atrasam desde o começo das aulas. Mas vamos lá, qual é a desculpa de hoje?
Respiro fundo planejando uma desculpa que ainda não havia usado, mas ouço uma voz grave e rouca saindo de trás de mim, fazendo-me engolir as palavras que não havia pronunciado. Sinto minha mancha esfriar levemente enquanto o calor de seu corpo irradia perto de minhas costas, como se não estivesse nenhum pouco preocupado de invadir meu espaço. Sinto um calafrio subir pela espinha fazendo com que uma onda de arrepios toma-se conta de meu corpo. Só senti essa sensação uma vez e foi há uma semana, quando tinha a plena certeza que era uma alucinação.
– Se eu lhe contar, a senhora não irá acreditar mesmo.
Viro-me em sincronia perfeita com a de Ágatha, mas fui obrigada a levantar meu olhar de seus ombros largos e fortes, e direcioná-lo para seu rosto bronzeado. Levo um enorme susto e sou obrigada a me segurar no marco da porta, quando percebo que é o mesmo garoto que vi na beira da praia uma semana atrás, o mesmo que vem atormentando meus sonhos desde então.
Encaro seus olhos negros e densos como petróleo, os mesmos olhos que me perseguem todas as noites. Mas há algo mais familiar do que percebi de imediato, então desço meu olhar tentando encontrar qualquer sinal de reconhecimento.
Ele possui o ar confiante, seguro e debochado. Seu sorriso é levemente torto, charmoso e sedutor, nada parecido com o que vi naquela madrugada na praia. Os dentes são incrivelmente brancos e enfileirados, o cabelo liso e negro está casualmente bagunçado diferente de como o vi, e consigo perceber um pedaço do seu lóbulo da orelha esquerda faltando, o que me faz questionar o que aconteceu para tê-lo perdido. Ele é alto deve ter um metro e oitenta e cinco mais ou menos, usa uma camisa preta simples com um óculo Ray Ban Aviator pendurado no colarinho e por cima uma jaqueta de couro da mesma cor.
Sinto minhas pernas ficarem moles, mas obrigo-me a mantê-las firmes, olho para a direita e vejo seu braço encostado ao lado da minha orelha, se apoiando no marco da porta, levemente inclinado para frente. Posso sentir o calor de sua respiração fazendo cócegas na ponta do meu nariz enquanto meu estômago se revira e encolhe.
O que ele está fazendo aqui? Penso, me afastando levemente devido ao desconforto de sua proximidade. Ele olha para mim e sorri torto, percebendo a minha tensão e então endireita sua postura, deixando-a ereta como vi naquela noite.
Olho rapidamente para Ágatha e a vejo encarando sua ótima saúde física.
– E você quem é? – A professora pergunta sem se sentir incomodada ou percebendo em como me sinto encurralada.
Respiro fundo, olhando-o enquanto ele sorri presunçoso e finalmente percebo que estou respirando com dificuldade, sempre a trancando quando ele faz algum movimento, esperando que me ataque ou me surpreenda de uma forma desconfortável. Finalmente percebo que ele me incomoda mais do que deveria e até mesmo me assusta.
– Sou Duncan Gomes Cipriano, seu aluno novo. – Ele responde calmamente e olha rapidamente para mim. – Fui transferido do Colégio Estadual André Drummond por isso me atrasei, pois tive que passar na direção antes de subir. Foi quando encontrei com as duas... – Gesticulou para nós. – Para me ajudarem a encontrar minha sala, que por coincidência é a mesma que a delas.
Por que ele está nos ajudando? Pergunto-me sem saber se agradeço ou se fico com mais dúvidas ao seu respeito, com isso me lembro dos flashes de sonhos que tenho com ele e sinto outro calafrio. Consigo visualizar o sonho onde seus músculos se contraindo quando aparece subitamente na minha frente, como se quisessem me atacar, mas não pudessem fazer. Agora tudo o que consigo perceber é como parecem relaxados, mas atentos a qualquer movimento meu.
Vejo a professora alternar o olhar entre nós três antes de falar.
– E por que não chegou junto com elas então?
O que eu vou fazer? Penso amargamente e empurrando para longe os pensamentos descontrolados a respeito de como é severa, só deixando espaço para os conflitantes a respeito dele.
– Por que precisei ir ao banheiro. – Ele sorri torto como se estivesse flertando com a professora, isso fez com que algo dentro do meu estômago se retorcesse.
Ela o fita por um tempo depois faz um gesto com a mão para que eu e Ágatha entrássemos, enquanto deixo meus pensamentos correrem soltos. O que ele está fazendo aqui?
Começo a puxar Ágatha para dentro, enquanto tento entender o que se passou nesses curtos minutos. Tentando encaixar seu nome com algo familiar na minha memória e de repente congelo, percebendo a familiaridade de seu nome com o meu melhor amigo da quarta série. Viro-me e encaro profundamente nos olhos, sentindo um enorme desconforto por tê-lo de fazer, mas percebo de relance os mesmos olhos infantis, mas sem a hostilidade que agora apresentam.
Ágatha me puxa pelo braço forçando-me a olhá-la e prestar atenção no que pronuncia, mas é difícil quando tenho tantas perguntas.
– Quem. É. Ele?
Faço um sinal negativo com a cabeça não sabendo ao certo se devo falar o que penso, porque não tenho nada confirmado, é simplesmente mais uma dúvida.
– Não sei, mas esse nome não soa familiar para você? – Sussurro puxando-a para mais perto, enquanto eles prosseguem conversando na porta.
– Você o conhece? – Ela pergunta mais alto que um sussurro parando em minha frente, e bloqueando qualquer imagem que poderia ter dele. – Como deixa de me apresentar uma delícia dessas? Isso deveria ser crime de pena mortal entre melhores amigas!
Reviro os olhos aproveitando para inclinar a cabeça um pouco para a esquerda, dando tempo de vê-lo entregar um papel para a professora. Logo em seguida me vem sua imagem seminua parada na beira do mar, seu semblante obscuro e assustador, a enorme tatuagem que parecia se mover por sobre sua pele, mas a imagem some no exato momento que Ágatha se põem em minha frente com um olhar de quem diz “pelo amor de Deus acaba logo com o meu sofrimento”.
– Olha só... – Começo a dizer. – Não tenho certeza, mas acho que ele era nosso melhor amigo que foi embora na quarta série, lembra? – Antes que ela protestasse dizendo que não, prossigo. – Não se esqueça de que esse nome não é muito comum.
– Não. – Ela exclama na mesma hora que a professora ordena para que nos sentássemos. – Só pode estar brincando comigo. Isso é completamente impossível! Como ele conseguiu ficar tão gostoso?
Sorrio sem jeito enquanto nos direcionávamos para as classes que sobraram no fundo da sala, ainda tentando ver sentido naquilo tudo. Começo a puxar pela memória o porquê ele tinha ido embora há sete anos... De repente lembro-me de que foi porque seu avô faleceu e então foi morar com os pais em outra cidade.
Quando estou quase chegando à minha classe ouço-o me chamar.
– Luna... – Ele pega em meu pulso enquanto me virava para olhá-lo. Então sussurra baixo, para que somente eu e Ágatha pudéssemos ouvir. – Onde vocês sentam? Quero ficar perto de vocês, sabe como é né? Colégio novo... – Pisca um olho para mim acabando com qualquer dúvida que tinha sobre ele ser meu antigo amigo, mas sem apagar a real cena da praia.
Sorrio sem jeito sentindo sua mão em meu pulso começar a me causar um leve desconforto, e ao mesmo tempo o calor transmitir um formigamento bom.
– Claro, mas não se esqueça de que já estudou aqui antes. – Rebato e dou um meio sorriso, mas percebo que sem querer soou mais como um charme discreto.
Por que fiz isso? Afasto o pensamento, enquanto sinto as bochechas queimarem não só de vergonha, mas de arrependimento quando não sei quem ele realmente é ou quer.
Duncan sorri largo, mostrando todos os dentes brancos e começamos a andar os poucos passos que faltavam para chegar as nossas classes, então percebo que todas as cabeças da sala se viram para nos olhar.
No sentamos: Ágatha a minha esquerda na fileira ao lado, enquanto Duncan sentou atrás de mim, apertando as longas pernas debaixo da classe e escorregando o corpo para frente, enquanto encosta-se à cadeira. Está completamente relaxado e calmo sem contar que transborda um ar de autoconfiança inabalável.
Todos continuam a nos encarar, então abaixo o rosto me sentindo envergonhada enquanto Ágatha alterna o olhar entre mim e Duncan, com o rosto tomado de perguntas.
– Tudo bem. – Gritou a professora. – Todos virando para frente, pois a aula é aqui. – Ela deu uma curta pausa olhando para nós. – Bom, temos um aluno novo, como já perceberam, seu nome é Duncan Cipriano e tem dezenove anos.
Sem querer deixou transparecer minha surpresa por perceber que alguém rodou um ano mais que eu, mas com certeza os seus motivos foram outros e não porque perdeu a avó e começou a frequentar o psiquiatra por problemas mentais. Então percebo que a professora olha diretamente para Duncan, porque sei sua paixão por mim não é percebida por mais ninguém, mas antes que ela prosseguisse falando, consigo ouvir um risinho baixo vindo da classe de trás e me pergunto o que ele está achando tão engraçado.
– Seja bem-vindo.
Bem-vindo? Ela nunca é agradável com ninguém, penso comigo mesma e acabo deixando de lado essa atenção excessiva com o aluno novo.
– Obrigado. – Ele responde contendo um riso, como se conseguisse ver através da minha nuca e percebesse meu rosto de nojo.
Seu riso se dispersa dentro da minha cabeça quando relembro a forma como nossos olhos se encontraram aquela noite, completamente diferentes de como estão hoje. Naquela noite era predatório e o de hoje debochado, relaxado como se fosse a primeira vez que nos vimos depois de sete anos.
Afasto a sensação ainda distraída e começo a retirar os materiais da bolsa, mas quando percebo seu corpo está inclinado sobre o meu e ouço sua voz perto da orelha, como se fizesse isso todos os dias desde a primeira série. Dou um pulo e fico rígida, como se ele pudesse me atacar a qualquer momento quando bem entendesse.
– Não esperava reencontrá-la depois de tantos anos. – Sua voz rouca ecoa na cabeça, me deixando imóvel e com a respiração entre cortada.
– Digo o mesmo. – Sussurro de volta e percebo que minha voz sai rouca.
– Ainda mais desta forma.
– O que quer dizer com isso? – Pergunto com o cenho franzido, e consigo imaginar o sorriso torto voltando aos seus lábios enquanto ele prossegue.
– Você sabe exatamente o que quero dizer. – Com isso volta novamente para o seu lugar e quase arrisco virar para trás para esclarecer sobre o que está falando, mas mordo a parte interna da boca.
Minha cabeça fervilha cheia de perguntas, porque querendo ou não, na época em que erámos colegas estava tendo uma fase difícil em casa, quando começaram os meus ataques de sonambulismo. Um dos mais sérios quando acordei no telhado de casa, sentada e murmurando algo sobre a lua. Vovó disse que um dia entenderia o porquê possuo uma paixão tão grande por ela, ou o porquê tenho ataques sérios enquanto durmo, a única coisa que sei é que até hoje não entendi anda.
Será que está relembrando sobre esses ataques? Pergunto para mim mesma, mas lembro que não tem como saber que eles voltaram piores do que um dia foram, não quando passou tantos anos fora de Rovena, principalmente fora do meu núcleo familiar. Mas isso não faz com que fique mais relaxada a respeito, pois sei que no final das contas essa frase não foi uma cantada, apesar de ter soado como tal. Qual é o meu problema?
As perguntas amenizam a velocidade em minha cabeça, mas isso não faz com que diminua as preocupações ou medo, por me lembrar daquela noite, à dúvida por não saber se devo esquecer tudo e começar do zero como velhos amigos ou seguir meu instinto, que diz para ficar sempre em alerta em qualquer coisa que esteja relacionada à Duncan.
Olho de esguelha para o lado esquerdo percebendo que Ágatha rabisca furiosamente um pedaço de papel do caderno. Ela o dobra rapidamente e o entrega para mim, sem nem ao menos se dar ao trabalho de ver se a professora estava olhando ou de amassá-lo direito.
O pego de cima da classe e o desdobro rapidamente.
O que ele te disse? Falou sobre mim? Obs.: É injusto demais ele ter sido nosso melhor amigo. Olha como ele é lindo!
Reviro os olhos, ainda desconfiada e começo a responder.
Nada importante. Não, ele não falou sobre você. Não sei o que pensar sobre ele. Ele não parece o mesmo, também não tem como não mudar depois de tantos anos. É sempre bom ficar em alerta. Ele um completo estranho.
Passo o bilhete para Ágatha enquanto começo a escrever o que a professora passara no quadro, e quando percebo a bolinha de papel pousou sobre meu caderno novamente.
Como assim ele é um completo estranho? O que ele falou? Por Katy Perry me conta o que ele disse. Ah, outra coisa, acho ótimo ele não ser o mesmo de anos atrás, assim não fico com peso na consciência quando estiver o beijando! HAHA.
Viro o rosto para Ágatha percebendo que está rindo, enquanto escreve no caderno como se estivesse me vendo enfurecida. Então volto à atenção para o bilhete e começo a responder novamente.
Não sei explicar, é mais uma sensação. Só confia em mim, ok?
Jogo a bolinha novamente, mas Duncan a pega no ar com extrema facilidade. Sinto um gelo na boca do estômago subir e preencher meus pulmões, então transfiro meu olhar dele para a bolinha de papel em suas mãos com ainda mais desconfiança.
– Pode me devolver? – Pergunto e tento sorrir, mas sei que saiu amarelo.
– Posso. – Responde sorrindo de canto. – Mas você não pediu “por favor,”.
Algo se contorce dentro de mim querendo que arrancasse a bolinha de suas mãos e parasse de tentar ser gentil, mas tudo se torna mais complicado com ele, como se esquecesse completamente de quem sou quando ele está por perto.
– Por favor, pode me devolver? – Peço contra a vontade enquanto Ágatha nos observa, e alterando o olhar freneticamente entre nossas mãos.
Ele sorri satisfeito enquanto me avalia intensamente, então estico a mão para pegá-la quando subitamente ele a puxa de volta.
– Mas como fui seu amigo há sete anos acho que continua valendo depois, não? – Então ele começa a desdobrar a bolinha. – Além do mais que é feio manterem uma conversa dessas na frente de outras pessoas. – Quando ele finalmente desmancha a bolinha percebo que solto um enorme “não” na sala silenciosa.
Duncan ri de leve jogando a cabeça para trás por um instante. Apresso-me para pegar a bolinha, mas ele a esconde no bolso da calça jeans enquanto meus dedos se fecham no ar.
– Algum problema Luna? – A professora pergunta.
Viro-me sentindo a adrenalina correr nas veias, como se não quisesse que ele descobrisse a minha aversão a ele, mas não sei exatamente o porquê estou tão tensa, talvez realmente não queira que ele saiba, que só deseje que essa sensação ruim passe e possa viver minha vida.
– Nada. – Respondo secando a garganta. – Desculpa professora, me sobressaltei.
– Todos nós percebemos. – Rebate contrariada antes de voltar para o quadro, enquanto o resto da classe dá risinhos baixos e contidos, tento controlar o calor no meu rosto, mas sei que é sem sucesso.
Lentamente olho para Duncan enquanto ele sorri debochado lendo o bilhete, então levanta a cabeça fingindo surpresa enquanto leva o rosto para o bilhete e lê trechos que ali estão escritos.
– “Nada importante”, “É bom ficar em alerta”, “Ele é um completo estranho”. – O vejo amassar a bolinha de papel e a enfiar no bolso lateral me olhando intensamente, sorrindo debochado, achando tudo muito engraçado. – Parece que não causei uma boa impressão na minha súbita volta.
Mordo a ponta da língua e me sinto desconfortavelmente culpada, mas ao mesmo tempo levemente satisfeita por saber que querendo ou não, eu não caí de amores por ele quando apareceu, assim como Ágatha. Algo dentro de mim se contorce quando penso nisso, como se estivesse lutando contra a realidade.
– Não era para ter lido. – Digo um pouco engasgada, sentindo meu rosto mais quente que a ponta de um cigarro.
– Mas li. – Rebate sorrindo e me deixando ainda mais desconfortável com a situação. – A farei mudar de ideia ao meu respeito.
Sem querer mostro o espanto que sinto e tento conter os traços do meu rosto para que ele não perceba o como esse desafio soou interessante, mas ao mesmo tempo uma voz grita na minha cabeça que nada que ele possa fazer fará com que a cena da praia suma da minha memória. Aquele dia mexeu muito comigo, muito mais do que gostaria e a sua presença aqui, revive aqueles minutos, fazendo com que tudo a minha volta desmorone conforme ele continua presente. Tudo o que considero concreto parece estar sumindo e dando lugar a uma realidade que não quero conhecer.
– Como? – O desafio e percebo que minha voz sai firme, completamente diferente de como estou me sentindo por dentro.
– Você irá descobrir. – Rebate piscando um olho e dando um sorriso torto, me deixando perdida enquanto volta a recostar na cadeira.
Reviro os olhos depois que sua frase realmente entra na minha cabeça, e volto para frente enquanto bufo revoltada. Mas quando percebo, um pedaço de papel voa por cima de meu ombro e pousa sobre as folhas do fichário. Está perfeitamente dobrado como se tivesse sido calculado cada ângulo. Encaro-o não tendo certeza se quero saber seu conteúdo. Tomada pela curiosidade acabo abrindo. Ali está escrito apenas três palavras, das quais me deram a certeza que estava negando até agora, a certeza que ele não sairá da minha vida tão cedo.