13. Terceira Fase

O princípio do poder.
A noite chegou rapidamente. É engraçado como o fim da tarde voou quando estava com Duncan e quando finalmente chegamos a casa descobrimos que mamãe não estava. Então nos limitamos a comer alguma coisa e logo em seguida ele entrou para o banho enquanto terminava de retirar a mesa. Ouço a porta do banheiro bater e sei que já havia terminado, então pergunto de costas para o corredor.
– Posso ir então?
– Claro. – Ouço-o responder, então me viro para olhá-lo e percebo que está de calças jeans e sem camisa, enquanto o cabelo pinga sobre seu tórax.
Abro a boca para falar, mas logo a fecho enquanto fito seu corpo, então subo os olhos para seu rosto e o vejo sorrindo torto.
– Você tem algum problema com camisas? – Pergunto ruborizada enquanto passo por ele e entro no quarto para pegar minha roupa.
– O quê? – Pergunta enquanto me segue. – O que aconteceu?
Pego a muda de roupa que já havia separado e a nécessaire com meus produtos antes de virar em sua direção.
– Não, nada demais. É só que parece que você tem alguma espécie de alergia a camisas, já que está sempre tentando ficar sem. – Rebato e dou um meio sorriso.
Duncan sorri largo e levanta as mãos para o alto.
– Desculpa. – Diz ainda sorrindo. – É que eu moro sozinho, então é difícil me acostumar com essas coisas. – Ele abaixa as mãos ainda sorrindo e não pude não fazer o mesmo. – Prometo que não irá mais acontecer.
– Tudo bem. – Finalmente concordo e viro as costas para entrar no banheiro. – Daqui a pouco saio e esteja de camisa.
Ele sorri e me puxa para um selinho antes de entrar. Começo a rir sem jeito dentro do banheiro enquanto tiro a roupa, e logo estou embaixo da água quente. Fico um bom tempo parada, deixando o calor aliviar a tensão que sinto sobre minha pele, como se uma camada de chumbo estivesse se moldando a ela. Então começo a me lavar sem pressa e quando finalmente termino e me seco, visto a roupa que separei: uma calça jeans skinny escura e uma blusa de lã clara e leve, nos pés uma bota de cano longo marrom. Já no cabelo optei por fazer uma trança embutida deixando cair sobre meu ombro direito exposto, como uma enorme corda trançada. Então fiz a mesma maquiagem simples de todos os dias: contornei os olhos de preto e passei um rímel nos cílios, nas bochechas blush para ficar corada e nos lábios o clássico batom laranja.
Quando volto para a sala o vejo escorado na janela de costas para mim, olhando para fora compenetrado, mas quando ouve meus passos se aproximando, vira rapidamente. Encontro seus olhos negros por baixo da franja ainda molhada e sinto meu coração palpitar. Duncan está com a jaqueta de couro preta habitual sobre uma camisa branca sem estampa, no pescoço uma manta leve marrom bem ajeitada, nas pernas, a calça jeans escura e nos pés o coturno preto.
Esqueço completamente sobre o que está nos esperando quando mamãe chegar, então o vejo olhar o relógio no pulso esquerdo e caminhar em minha direção. Ele sorri torto enquanto sinto seu perfume misturado com o couro, causando uma paz instantânea, como se estivesse distante de tudo e me perdido na floresta.
– Eu sei que falta uns trinta minutos para o seu aniversário. – Diz e leva a mão a minha bochecha. – Mas feliz aniversário. – Com isso ele se aproxima e pousa os lábios sobre os meus por um longo momento.
– Obrigada. – Respondo quando nos afastamos, então me perco dentro do negro de seus olhos e sinto toda a apreensão que estava tentando conter vir à tona. – Como vai ser? – Duncan franze as sobrancelhas. – No caso, a transformação?
Ele se afasta mais um pouco enquanto me observa, então nos leva para sentarmos no sofá. Duncan fica um tempo em silêncio enquanto olha nossas mãos entrelaçadas sobre seu colo e subitamente levanta o rosto para me olhar novamente.
– Para cada bruxo é diferente Luna. – Finalmente diz. – Eu não sei como vai ser pra você, que nunca teve nenhuma relação com os seus poderes, porque na realidade você nem sabe utilizá-los e ficaram por muito tempo adormecidos. – Ele respira fundo. – Provavelmente terá uma explosão de poder e não conseguirá controlá-lo direito, por isso você não pode se deixar levar pelas emoções, elas serão o gatilho para que machuque alguém ou a si mesma.
Abaixo o rosto e olho para nossas mãos sem saber o que responder.
– Vai doer? – Pergunto em um sussurro, mas logo vejo que Duncan não responde e quando levanto o rosto o vejo fitando o meu. – Não terei controle sobre meu corpo, não é?
– Não. – Ele confirma. – Provavelmente você não terá controle, mas não precisa se preocupar, estarei aqui para lhe ajudar.
Encaro seus olhos e percebo que as linhas do meu rosto estão duras, não de medo, mas de choque e até um pouco de ressentimento, pois sei que não está sendo completamente sincero.
– Irá doer. – Confirmo mais para mim do que para ele, é uma confirmação que tinha certeza que iria acontecer. – Se não terei controle sobre meu próprio corpo, imagina o que ele poderá fazer? – Olho-o nos olhos e percebo que há um finco em sua testa de preocupação. – Não precisa tentar me poupar da verdade e mesmo que tente, é algo óbvio demais para negar.
Duncan fica calado por alguns segundos frente a essa afirmação, então aperta minhas mãos levemente para que o olhasse.
– Eu posso aliviar como fiz da outra vez. – Afirma e de repente me vejo tendo outra convulsão, fazendo com que tenha plena certeza que a dor que irei sentir será muito semelhante àquela.
Com isso faço um aceno de cabeça concordando, mas não consigo pronunciar mais nada, é como se a angustia fechasse minha garganta. Mas sei que não tenho medo da dor em si, mas muito mais de perder o controle e poder ferir mamãe, com isso volto a olhá-lo.
– Não podemos deixar mamãe ficar aqui. – Afirmo. – Eu posso machucá-la de alguma forma e não sei se poderá se defender, apesar de ser uma bruxa.
Duncan fica calado por um tempo.
– Ela não é mais uma bruxa Luna, ela é mortal. – Finalmente responde. – Mas você entenderá isso daqui um tempo, mas concordo com o fato de que ela não pode ficar aqui.
– Como ela não é mais bruxa?
– Há certas coisas que ainda não complexas pra você entender agora, mas lhe responderei tudo com o passar do tempo. – Rebate rapidamente e se coloca de pé. – Precisamos convencer sua mãe a não ficar aqui na hora da transição.
O observo por um tempo, sem saber o que responder enquanto minha cabeça gira com a possibilidade de mamãe ter deixado de ser uma bruxa. Como uma coisa dessas pode ser possível? Penso distraída até que o vejo andando de um lado par ao outro enquanto fala, mas não estava ouvindo.
– O que você estava falando?
– Se você acha que consegue convencer sua mãe a não vir?
Tento voltar para a realidade e começo a pensar sobre isso, mas todas as alternativas que passam na minha cabeça não são suficientemente boas para mantê-la longe, ainda mais que sabe sobre o que irá acontecer daqui alguns minutos.
– Nada que eu possa dizer irá fazê-la mudar de ideia. – Finalmente afirmo enquanto nego com a cabeça. – Não sei o que pode fazer para não vir para cá.
Duncan faz um aceno confirmando enquanto volta a andar de um lado para o outro pensativo, até que para e olha algum ponto em cima da minha cabeça.
– Irei falar com ela.
– O quê? – Pergunto surpresa e me coloco de pé. – Você só pode estar louco!
– É o único jeito Luna. – Afirma calmo e sei que já está decidido. – Ela terá de me ouvir, querendo ou não.
– Ela odeia você. – Exclamo assustada. – Ela não irá ouvir nem você respirar, como pode esperar que ela ainda me deixe sozinha com você?
Duncan balança a cabeça negativamente.
– Não há outra opção Luna, preciso arriscar. – Rebate. – E querendo ou não, ela irá ouvir, nem que seja em parte o que tenho para falar. É a vida da filha que está em jogo. – Ele anda até mim e pousa as mãos sobre meus ombros. – Você precisa me deixar falar com ela sozinho, ok?
– Mas Duncan...
– Não, Luna. – Ele fixa os olhos nos meus e sei que não conseguirei convencê-lo do contrário. – Você precisa me deixar tentar.
Respiro fundo enquanto fito seus olhos negros e acabo confirmando com um aceno de cabeça.
– Tudo bem.
– Que bom, por que sua mãe acabou de chegar.
Com isso ouvimos seus passos na frente da porta e a maçaneta sendo destrancada. O encaro sem entender como conseguiu fazer uma coisa dessas, então o vejo olhar para o relógio do pulso vendo que falta menos de vinte minutos para às oito horas da noite, o horário em que nasci.
Mamãe entra pela porta trazendo uma pequena torta nas mãos e algumas sacolas penduradas nos braços, mas simplesmente para quando nos vê e seus olhos se demoram em Duncan antes de fechar a porta e largar tudo sobre a mesa da sala.
– Eu pensei que tinha dito para ir embora. – Afirma calmamente.
– Luna, você pode ir par ao quarto enquanto converso com a sua mãe? – Duncan pergunta sem tirar os olhos de mamãe, mas não consigo responder enquanto desvio os olhos dele para Milena. – Luna?
Olho para ele e o vejo confirmar com a cabeça. Tudo dará certo, pode ir. Afirma mentalmente, então concordo e começo a me dirigir para o quarto, mas antes olho de esguelha para mamãe.
Entro no quarto e fecho a porta, quando percebo já estou sentada na cama com a cabeça apoiada nas mãos. Tudo parece girar enquanto não consigo ouvir nada conforme o tempo passa, começo a me sentir inquieta até que me passa em mente em como gostaria de ser uma abelha para poder ouvir o que estão conversando. Com isso lembro que posso ouvir mentes e faço o possível para me conectar com eles na sala, mas como foi da outra vez, não acreditei que fosse realmente ouvir até que consigo, e parece que estou sala de tão nítido.
– Você não vai desistir mesmo, não é? – É a voz de mamãe.
– Não posso desistir, sou o guardião dela, Milena. – Duncan responde sem paciência como se soubesse exatamente aonde isso irá levar.
– Grande coisa que você é. Sabe muito bem que pode ir embora à hora que quer, só não entendo o porquê não o faz de uma vez.
– Não é assim que a banda toca Milena. – Duncan rebate e logo em seguida suspira. – Luna vai ser uma bruxa completa daqui alguns minutos e vamos saber com certeza qual é o destino dela.
– Por saber o destino dela que a escondi do mundo. Você tem a mínima noção do que ela terá de fazer para o resto da vida e nem por isso se afastou, nem por isso deixou de procurá-la. – Mamãe respira fundo como se estivesse tentando se acalmar. – Você foi embora quando era garoto, por que, diabos, voltou?
Um silêncio se propaga e por mais que ouça outros sons vindos da rua, não consigo ouvi-los, não enquanto esse silêncio mortal está sobre nós três.
– Por que Valentina me mandou até aqui. – Duncan finalmente responde e sinto o ar faltar, como se todo o oxigênio tivesse sido sugado para longe de mim.
– Minha mãe? – Ouço mamãe perguntar ao mesmo tempo em que me seguro firmemente na cama. – Como minha mãe lhe chamou?
– Por que Valentina ajudou meu pai em um momento de crise há anos atrás e de certa forma criamos um vínculo na minha infância. Quando ela descobriu que seria eu quem cuidaria de Luna até o fim de seus dias, ela me procurou para que a ajudasse antes de completar dezoito anos, que seria quando a encontraria. – Duncan faz uma pequena pausa. – Ela me contou tudo, contou tudo o que você fez para esconder Luna do mundo e de si mesma. Como pode?
Consigo ouvir os pensamentos de mamãe como se estivessem se misturando, tentando absorver tudo o que Duncan pronuncia. Então sinto que tudo começa a girar e sair de foco, percebo que perdi a conexão com eles e por mais que tente não consigo ouvi-los.
Sinto a frustração, o medo e a revolta, tudo se fundindo em torno de mim. Começo a entender que estou perdendo o controle, então respiro fundo várias vezes não querendo me deixar levar.
Olho para cima e consigo ver as luzes do quarto começarem a piscar, como se estivessem prestes a queimar, então sinto uma fisgada intensa atravessar meu peito e me encolho de encontro ao chão. As lâmpadas estouram no quarto e faíscas caem como fogos de artifício no ano novo até que tudo fica escuro. Meus olhos demoram um pouco para se habituar e vejo os cacos de vidro ao meu redor.
Sinto meu corpo começar a tremer e com grande dificuldade viro de barriga para cima enquanto tento respirar, mas parece que o ar não vem. De repente sinto minha mancha de nascença começar a queimar sobre a pele. Fico parada contra o chão por alguns segundos, enquanto minha respiração estabiliza e tudo volta a ficar em foco. Com isso me levanto e começo a caminhar em direção a porta, sabendo que mamãe e Duncan estão logo no final dela.
Abro a porta, vejo Duncan segurando mamãe pelo pulso, me olhando espantados e sabendo muito bem o que estava acontecendo. Então percebo que por mais que esteja escuro consigo ver seus rostos como se toda a casa estivesse iluminada.
Você quase perdeu o controle, como isso aconteceu? Consegui sentir sua energia queimando por toda a casa. O ouço perguntar em minha mente, mas lhe lanço um sorriso cansado, sentindo os pingos de suor começar a se fixar em minha testa.
Por que ouvi o que vocês conversaram. Respondo enquanto o vejo semicerrar os olhos.
– Luna, o que você está sentindo? – Mamãe pergunta assustada e sinto suas mãos em torno do meu corpo, protetores, mas a afasto levemente enquanto prossigo olhando para Duncan.
– Como assim minha avó mandou você?
– Você não devia ter ouvido...
– Não devia ter ouvido? Por que não? – Pergunto o interrompendo e sentindo meu corpo esquentar. – Você lê os pensamentos dos outros, por que não posso ouvir também?
Ouço um barulho estranho vindo da mesa, então me viro rapidamente para olhar e vejo os pratos de salgadinhos e doces se mexerem sobre a mesa.
– Luna se acalme. – Ouço mamãe pedir atrás de mim, então me viro em sua direção. – Você não pode ficar nervosa, não agora.
– Luna, ouça sua mãe, tudo no seu tempo lembra?
– Não venham me pedir para ficar calma! – Grito de frustração e ouço os refrigerantes explodirem pela mesa, mas não consigo mais me controlar enquanto sinto minha cabeça ser pressionada por mãos invisíveis. – Como minha avó mandou você, Duncan?
O vejo fechar os olhos rapidamente pensando antes de responder.
– Você ouviu a conversa, você sabe por que ela me mandou aqui. – Responde e sinto que transmite algum controle para mim, posso sentir como se fosse uma cápsula a minha volta. – Ela não queria que você corresse risco por não saber quem é. Ela sabia que todos iriam procurá-la e que provavelmente você morreria por isso, se não matasse alguém antes.
– Do que você está falando? – Ouço mamãe perguntar e me viro para olhá-la. – Como minha filha seria morta por alguém?
Olho para Duncan que transfere seu olhar de mamãe para mim, perdido, sem saber ao certo o que fazer. Sinto uma fisgada na barriga como se algo quisesse sair, então me ajoelho e solto um grito de dor enquanto vejo mamãe dar um passo à frente para me ajudar.
– Não faça isso Milena. – Ouço Duncan repreendê-la e a vejo parar no meio do caminho. – Se você chegar perto ela poderá não aguentar a carga, não sabemos como ela realmente está.
Vejo lágrimas ganharem seus olhos enquanto me fita impotente. Então sinto outra fisgada na barriga e mais uma nas costas, como se estivesse se espalhando, logo em seguida ouço os pratos de espatifarem na cozinha.
Duncan se esquiva de um copo enquanto tudo começa a voar pela sala. Me encolho mais contra o chão conforme a dor intensifica e ao mesmo tempo, ouço as portas e gavetas da casa abrirem e fecharem com um enorme barulho. Tudo parece mais alto do que é.
– Luna, me ouça. – Duncan pede e levo meu olhar até ele em meio a um grito. – Você precisa se acalmar, está entendendo? Respire fundo, isso. Sinta os batimentos de seu coração, o sangue fluindo nas veias, se prenda a isso, ok?
Respiro fundo enquanto outra fisgada se instala no meu peito, como uma facada de dentro para fora. Encosto o rosto no chão enquanto me contorço tentando achar uma posição que alivie, mas nada funciona.
– O que eu fiz? – Ouço mamãe se perguntar enquanto mordo o lábio para não gritar de novo. – Como pude fazer isso com a minha filha?
Duncan anda até mamãe e pega em suas mãos, mas mamãe se limita a abraçá-lo enquanto começa a chorar. Então sinto minhas pernas se retorcerem até chegarem perto do abdômen, enquanto me viro de barriga para cima e caio novamente no chão, sentindo que meu corpo está lutando contra si próprio e as dores se intensificando.
– Duncan... – Chamo em meio à dor. – Faça... Alguma... Coisa.
O vejo se ajoelhar a um metro de mim e sinto sua impotência, sabendo que ele não pode fazer nada somente me auxiliar, mas é tão difícil entender isso. Então vejo os objetos pela casa voando as suas costas, como se de algum modo, estivéssemos dentro de uma bolha e nada mais pudesse nos atingir.
– Você pode fazer parar Luna, mas precisa se controlar, não posso segurar sua energia por muito tempo. – Diz e o vejo esticar a mão até mim, mas logo a puxa de volta e dá um soco no chão. – Você precisa sentir que está no controle do seu próprio corpo, precisa se ligar a ele novamente e não a energia.
Reviro-me no chão novamente sentindo que meus ossos estão prestes a se quebrar. Solto outro grito torturante enquanto minha cabeça se gruda ao chão para não rachá-la na madeira.
– Não posso vê-la assim. – Mamãe diz enquanto se aproxima de mim.
– Não! – Grito em resposta fazendo-a se afastar assustada. – Não chegue perto!
– Tem que haver algo que possamos fazer. – Mamãe diz depois de um tempo e as lágrimas escorrendo por seu rosto. – Ela não pode ficar assim por mais tempo.
Duncan levanta do chão e a olha furioso.
– Que pensasse nisso antes de fazer o que fez há anos atrás. – Ele anda de um lado para o outro revoltado e consigo ouvir seus passos batendo de encontro à madeira, como se minha cabeça fosse às tábuas no chão.
– Não coloque a culpa em mim! – Mamãe grita em resposta. – Você não sabe a mísera metade do que aconteceu ou do porque a escondi.
– Eu sei. – Duncan responde. – E nem por isso justifica. Admita que teve tanto medo que se esqueceu de tudo o que Valentina ensinou. Admita que preferiu perder seus poderes para esconder a filha do que enfrentar o mundo e dizer para o que ela nasceu!
– Chega! – Grito de encontro ao chão sentindo que minha cabeça irá explodir. – Não aguento mais! – Digo entre dentes enquanto meu corpo inteiro se contrai como uma cãibra, e fecho os olhos só querendo que fosse um sonho.
Abro os olhos em meio à dor e vejo as venezianas da janela abrirem e fecharem enquanto o vidro aos poucos racha, como se estivesse esperando o momento propício para estourar. Então fecho os olhos novamente quando outra fisgada aparece e ouço a porta de entrada bater e abrir ruidosamente, antes de sentir alguém me segurando nos braços.
– Tudo ficará bem. – Mamãe diz e quando abro os olhos a vejo sorrir triste.
De repente sinto minhas dores aliviarem, o silêncio cai sobre nós quando todos os objetos que estavam voando pela casa desabam no chão de uma única vez. Sinto meu corpo amolecer aos poucos enquanto Duncan grita “não”, mas antes de perceber o que realmente estava acontecendo, mamãe começa a se contorcer no chão.
Vejo-a gemer e gritar enquanto se debate, muito mais do que estava há poucos minutos atrás. Fico olhando-a perplexa sem saber o que fazer, enquanto vejo Duncan se aproximar e segurá-la para parar de se contorcer. De repente o torpor some e me arrasto até ela colocando sua cabeça sobe minhas pernas, enquanto Duncan a segura pelos pés para que parasse de chutar o vazio.
– Mãe! – Grito para que ela me respondesse, mas a única coisa que ouço foi o grito agonizante, como se estivesse sendo partida em dois. – Mãe, fala comigo! – Bato com a mão levemente em seu rosto, mas ela se limita a gritar e virá-lo para o outro lado. Então olho para Duncan que está concentrado e de olhos fechados. – O que aconteceu?!
Ele levanta a cabeça para me olhar, mas seus olhos estão vazios.
– Eu não sei. – Responde atordoado. – Não sei se ela conseguiu sugar o excesso de energia que você estava ou se você a transferiu para ela. Sinceramente não sei! – O vejo balançar a cabeça desesperado enquanto mamãe se vira e finca a mão em minha cocha esquerda.
Solto um grito sufocado, mas logo ele se torna alto quando sinto seus dentes em meu braço pouco acima do pulso. Fecho os olhos com o tamanho da dor e sufoco o grito enquanto tento afastá-la, mas quanto mais tento, mais sinto minha pele rasgar.
– Duncan... – O chamo entre dentes enquanto vejo o sangue banhar meu braço.
Ele se levanta assustado e se aproxima da orelha de mamãe. Ouço-o sussurrar alguma coisa e logo seus dentes se desprendem de minha pele. Vejo o sangue escorrer mais enquanto ela volta a se debater no chão, mas Duncan prossegue concentrado.
– Temos que fazê-la devolver o poder pra você se não, ela não irá aguentar. Milena não é mais uma bruxa, é uma mortal.
Sinto minha cabeça girar, não sei se é pela falta de sangue que sinto banhar minha calça jeans ou se é pelo fato de minha mãe estar correndo risco de vida por minha causa. Mas a única coisa que passa na cabeça é de que nós dois não conseguiríamos fazer isso sozinhos.
– Como consigo pegar de volta? – Pergunto entre dentes e sentindo a fisgada no braço, como se a boca de Milena ainda estivesse ali.
– Se concentre nela, imagine uma onda de energia saindo dela e entrando em você. – Rebate, tentando manter a voz calma e relaxada, mas consigo ver a tensão em seu corpo e a preocupação estampada no rosto.
Fecho os olhos, imaginando, mas sinto mamãe se debater mais de encontro ao chão, como se não quisesse que a ajudasse.
– Ela está lutando! Não quer deixar com que pegue de volta.
– Milena, você tem que deixar se não irá morrer. – Duncan diz próximo a ela, mas mamãe se vira novamente e volta a fincar as unhas em minha perna, sinto o jeans cedendo como se fosse um pedaço de papel molhado.
– Duncan! – Grito e ouço meu jeans rasgar conforme sua mão desce até meu joelho, e logo em seguida minha calça é banhada por algo quente e úmido.
Sinto uma onda de calor entrar pela minha boca e quando olho para baixo vejo uma luz muito clara saindo dos lábios de mamãe e entrando nos meus. A energia se espalha borbulhante por meu corpo enquanto vejo Milena para de se debater no chão. Então, por um curto segundo, consigo respirar aliviada, mas logo meu corpo se inclina para trás por vontade própria enquanto uma onda de fisgadas toma conta. Ouço os vidros da janela explodirem enquanto arqueio as costas mais ainda, conforme a dor incontrolável volta, mas quando acho que irei me contorcer novamente no chão, simplesmente apago em meio à escuridão.