7. Talismã

Algumas vezes recebemos auxílio do outro lado.
Passo as mãos nos lençóis e me viro demoradamente até ficar deitada de costas na cama. Demoro-me para abrir os olhos, só querendo sentir o torpor e a embriaguez do sono. Logo ouço passos se aproximarem de meu quarto e a porta logo em seguida abre.
– Luna, você já acordou? – Mamãe pergunta e a vejo colocar a cabeça para dentro do quarto. – Graças a Deus, você está bem.
Gemo e jogo o travesseiro no rosto.
– O que aconteceu?
Sinto o colchão afundar ao meu lado e o travesseiro deslizar para longe, expondo meu rosto a claridade do quarto.
– Você passou mal. Acho que comeu alguma coisa estragada.
Sinto um desconforto no estômago, não sei definir se é fome ou a lembrança de como fiquei mal. Então aos poucos a neblina de torpor desaparece e tudo o que havia acontecido ontem vem em minha mente, então olho assustada para Milena.
– Agora eu lembro. – Afirmo. – O que aconteceu ontem? Como cheguei aqui?
Vejo-a baixar o olhar para o lençol e logo em seguida o levar até mim com hesitação, como se não quisesse tocar no assunto.
– Quando cheguei aqui havia um marginal na cozinha de casa, você esperava que eu reagisse como? – Diz e faz uma pequena pausa, mas não esperando uma resposta e sim para organizar os pensamentos. – Não sabia como ele havia entrado e quando ele me falou que era o Duncan, não consegui acreditar que aquele garoto inocente havia invadido minha casa. Depois de muito desespero ele me disse que você havia passado mal e ele a trouxe até aqui, e que estava preparando algo para você comer quando acordasse. – Ela respira fundo. – Foi então que consegui começar a acreditar nele e fiquei preocupada com você.
– Estou bem mãe. – Respondo rapidamente, sem saber se o que falei iria ajudar em alguma coisa.
Ela passa a mão em meu rosto, me analisando com tamanha preocupação que sinto meu coração se espremer dentro do peito. Apesar de que as lembranças sobre o que realmente aconteceu ontem não saírem da cabeça, ainda mais quando mamãe finge que não aconteceu nada demais.
Quem simplesmente cai tendo uma convulsão na sala e não é levada para o hospital? Penso comigo mesma, mas é tão difícil questionar os seus atos que prefiro me cegar diante do fato de que mamãe está mentindo pra mim.
– Por que não me disse que ele havia voltado?
Sento-me na cama e encaro os lençóis por um momento antes de responder, tentando me manter calma e clarear a cabeça.
– Não achei que fosse importante.
– Como não é? – Pergunta e logo em seguida suspira. – Um amigo de infância volta e você não acha importante compartilhar isso com a sua mãe? Eu o vi crescer, passei horas conversando com a sua mãe e muitas vezes o buscava na escola.
– Desculpa. – Rebato. – Não achei que fosse relevante.
Sinto uma leve raiva começar a aflorar dentro do peito, porque não deveria estar me desculpando e contando toda a verdade quando ela não está fazendo o mesmo.
– Tudo bem. – Diz e passa a mão em meu cabelo. – Mas como você estava com ele? Deveria ter voltado direto para casa depois da consulta.
Sinto a culpa tomar conta de mim e começo a pensar em como me deixei levar pela curiosidade. Ele poderia ser muito bem algum tipo de marginal mesmo e estava passando o resto das tardes de terça-feira com ele, o ajudando a estudar, mas sei muito bem que era só uma desculpa para estarmos perto um do outro. Isso faz com que pense que na realidade Duncan nunca foi realmente um perigo eminente e sim uma espécie de local onde esquecia todos os meus problemas, onde podia ser eu mesma sem nenhuma expectativa alheia de que as pessoas mais próximas de mim esperassem que enlouquecesse de repente.
– Estou o ajudando com as matérias. – Respondo depois de um tempo. – Ele chegou uma semana depois que as aulas começaram e me pediu ajuda para auxiliá-lo. – Respiro fundo, não conseguindo olhá-la, não sei se é pelo fato de me sentir culpada ou se é uma mescla de raiva com ressentimento. – Só que continuamos a nos encontrar para ajudar um ao outro com as matérias e trabalhos.
Não que eu precisasse realmente de ajuda, penso. Nunca tive dificuldade e por causa disso sou rotulada como nerd, não que me importe com isso, bem pelo contrário, mas se torna chato com o passar do tempo.
Mamãe fica em silêncio por um tempo e sou obrigada a levantar os olhos para olhá-la, mas quando estava esperando que dissesse que está decepcionada ou que finalmente ia parar de fingir e contar a verdade, ela simplesmente sorri fraco e passa a mão em meu rosto.
– Tudo bem. – Diz calmamente. – Não posso culpá-la por ajudar alguém, mas, por favor, tome cuidado com ele.
– Por que está dizendo isso? – Pergunto com o cenho franzido.
– Por que não gostei do que ele se tornou. – Responde preocupada. – Não gostei da forma como me tratou, apesar de tê-la trazido até em casa. – Ela desvia os olhos rapidamente. – Só fique em alerta, está bem?
Aceno com a cabeça concordando, ainda sendo levada pela torpeza.
– Que horas são? – Pergunto.
– São oito e meio da manhã. Você já perdeu os dois primeiros períodos, mas acho bom ficar em casa para descansar. – Ela me dá um beijo na testa. – Já liguei para Ágatha e ela vai dar uma passada aqui depois da aula para lhe entregar as matérias de hoje. Mas agora só se preocupe em descansar.
– Vou sim. Só vou descer para comer alguma coisa.
Mamãe concorda com a cabeça.
– Já preparei, está sobre a pia da cozinha. – Ela me abraça rapidamente e deposita um beijo no alto de minha cabeça. – Não posso ficar mais, mas qualquer coisa me ligue.
– Pode deixar.
– Amo você.
– Também te amo, mãe.
Vejo-a fechar a porta atrás de si e volto-me a olhar o teto. Sinto uma leve vertigem no estômago, mas sei que não tenho mais nada para despejar. Então me viro de lado, pegando um travesseiro e o abraçando com os braços e as pernas, tentando afugentar a sensação ruim de que mamãe não me contou nada. Lembro-me que havia dito que ele não deveria estar aqui, não tão cedo, era como se estivesse esperando pela sua volta. Mas o que Duncan quis dizer com o fato de precisar dele?
Escondo o rosto no travesseiro aceitando que não sei absolutamente nada. A não ser o fato de que minha mãe sabe muito mais do que quer dizer e que Duncan deve saber as mesmas coisas que ela. E eu sou fraca demais para me impor o suficiente para perguntar ou questionar qualquer coisa que ela faça, mas o que isso me torna quando as coisas que ela esconde estão diretamente ligadas a mim?
Por que estou tão revoltada com isso? Talvez mamãe realmente esteja certa e quem é o vilão da história é Duncan, então porque não consigo acreditar nisso? Pergunto mentalmente enquanto encaro o teto novamente. O que estão escondendo? E por que tenho a plena certeza que eles sabem exatamente a mesma coisa?
Reviro na cama inquieta enquanto lembro que Duncan deu a entender que está em alguma espécie de missão, mas isso é coisa de agente de secreto e não de um garoto de dezenove anos. Por mais que seja misterioso, isso não o torna uma espécie de super-herói, apesar de que tudo faz com que questione o fato de ser um vilão.
Levanto-me da cama exausta de pensar e caminho até o espelho. Então percebo que estou com o rosto cansado, mas não chegar a parecer doente. Passo as mãos nele tentando acordar e nos cabelos para diminuir os nós, foi então que percebi que está maior do que ontem. Puxo-o para frente percebendo que já alcança meu quadril, sendo que antes passava um pouco da metade de minhas costas. Levo às mãos a boca e encaro meu reflexo, contendo um grito de susto, enquanto percebo como o loiro escuro está mais vivo e os fios mais sedosos ao toque.
Só posso estar tendo outra alucinação, penso. Então o puxo para o alto da cabeça, dou um nó como um coque e me encaminho para o banheiro, negando a acreditar no que estou vendo. Escovo os dentes, limpo o rosto e volto-me para o quarto para trocar de roupa, mas não olho novamente para o espelho, não quero ter nenhuma confirmação.
Visto uma camisa de meia manga comprida que fica folgada no corpo e uma calça de pijama do mesmo estilo, mas logo em seguida sinto um leve frio na panturrilha, olho para baixo e vejo que a calça de pijama – que antes arrastava no chão – está acima do calcanhar. Com isso levanto a cabeça e olho para a bainha da camisa que está curta perto do quadril, e o busto um pouco mais apertado.
Isso é impossível, penso e sinto um calafrio tomar conta do meu corpo todo. O que está acontecendo comigo?
Sento na cama e pouso a cabeça nas mãos, sentindo todo o meu corpo tremer involuntariamente. Percebendo que não pode ser uma alucinação, não quando tenho a prova que minhas roupas estão menores e meu cabelo maior do que jamais esteve.
Volto-me para o espelho, me avaliando intensamente, tentando descobrir qualquer outro sinal de que meu corpo está diferente. Então percebo que meu rosto está corado, os lábios rosados, minha postura mais ereta, meus peitos parecem maiores também e até meu bumbum empinado.
Só pode estar brincando comigo, penso e tendo a completa certeza que deveria estar uns dez centímetros mais alta. Mas como isso pode ser possível?
Prossigo me examinando no espelho, não acreditando no que estou vendo. Passo a mão por meu corpo, não entendo como ele poderia estar assim de um dia para o outro. Nem se tivesse tomado alguma droga ela teria esse efeito de aceleração e com toda a certeza isso não é um surto de crescimento. Então começo a revirá-lo a procura de estrias, mas não encontro nenhuma, o que me deixa ainda mais assustada.
Sento novamente na cama enquanto escondo o rosto nas mãos, gemendo desesperada enquanto minha cabeça dá milhares de voltas, sem encontrar um ponto para parar e encontrar uma resposta.
Depois de um tempo ouço meu estômago roncar alto e me obrigo a descer para comer algo. Chego à cozinha rapidamente e vejo que mamãe havia preparado um sanduíche e um copo de achocolatado gelado. Termino tudo em poucas mordidas e preparo mais um sanduíche, não sentindo que a fome chegou perto de ser satisfeita.
Passo o resto da manhã tentando entender como aquilo havia acontecido comigo e do tamanho da minha fome. Parece que estou sempre com fome, mas me forço a ficar só com dois sanduíches e um copo de achocolatado. Não demorando muito já seria meio dia, logo Ágatha iria chegar e poderei desabafar as minhas dúvidas com minha melhor amiga, se é que ela conseguiria desvendar algo comigo.
Ouço a campainha tocar e desço correndo para abrir a porta. Vejo Ágatha do outro lado com os cadernos nos braços, mal dei espaço para passar e já estava entrando.
– Uma manhã sem você para me ajudar a aguentar a professora de história é demais pra mim. – Diz e larga a bolsa no sofá, os livros e cadernos na mesa de centro. – O que aconteceu com você hein? Fiquei preocupada.
Sorrio amarelo enquanto ela me abraça, mas logo a vejo se afastar e olhar para mim, depois para o chão e assim sucessivamente.
– Você está mais alta ou estou realmente cansada?
– É sobre isso que preciso falar com você.
Sentamos no sofá e conto tudo que me lembro de ontem, de ter passado mal, de Duncan e mamãe discutindo na sala, sobre ter dormido por horas e ter acordado com meu corpo extremamente mudado.
– Mas como isso aconteceu? – Pergunta assustada. – Você se drogou ou drogaram você?
Reviro os olhos.
– Tenho cara de quem me drogo? – Pergunto irritada. – E tenho certeza que não me drogaram e mesmo que tivessem feito, como uma droga teria feito isso comigo? – Logo em seguida me levanto e solto o cabelo, deixando-o se desenrolar e chegar até um pouco abaixo do meu quadril. Depois aponto para meus pés e blusa para que ela pudesse ver o comprimento da roupa. – Uma droga faria isso comigo? – Pergunto novamente. – Não sei como, mas acho que isso tem a ver com o que os dois estão escondendo de mim, por que convenhamos, tive uma convulsão ontem e ninguém me levou para o hospital.
Sento-me no novamente no sofá e faço outro nó com o cabelo para mantê-lo preso, como se o fato de o deixar solto fosse o suficiente para voltar a crescer e faz com que começa a duvidar novamente da minha capacidade mental, mas as outras dúvidas são tão grandes que logo esqueço.
– Tudo bem Rapunzel, vamos voltar para a realidade. – Ágatha diz e respira fundo. – Ok, realmente é estranho Milena não ter a levado para o hospital, e não consigo achar nenhuma explicação para isso. Mas como sua mãe teria alguma coisa a esconder de você? Quem sabe ela realmente não está certa sobre Duncan? Porque ele apareceu do nada e fez o possível para se aproximar, e justamente no dia que ele trás você em casa é que tem uma convulsão e acorda assim?
– Tudo bem, também acho estranho, mas não consigo ficar tão revoltada com ele como estou com a mamãe. Mas em nenhum momento ele deu a entender que está aqui por causa de mim, somente ontem quando Milena o colocou contra a parede. – Rebato. – Ele disse isso quando mamãe afirmou que não esperava que ele voltasse agora. O que isso pode dizer? – Pergunto, mas logo prossigo. – Mamãe não o quer aqui, mas por quê? O que ele sabe? Estou desse jeito por quê?
Vejo Ágatha balançar a cabeça em negativa.
– Você já reparou que está querendo achar respostas em perguntas muito complexas? – Pergunta enquanto se levanta da mesa de centro e se senta ao meu lado no sofá. – Quem sabe você não ouviu errado por que estava passando mal, já pensou nisso? Não sabemos o que desencadeou a convulsão e muito menos o porquê está assim hoje. Acho que o ideal agora é ir a algum médico e depois se preocupar com as outras questões.
Reflito por um momento antes de dar qualquer resposta.
– Pensei que podia ter inventado isso, como alguma alucinação. – Digo cabisbaixa. – Mas a prova está aqui, você está vendo também. – Olho para o lado sem saber como continuar. – Não vou a nenhum médico, pelo fato de não saber o que dizer pra ele sobre as coisas que aconteceram e quero encontrar respostas sozinha. Quero entender o porquê Duncan está aqui e o porquê mamãe está tão incomodada com isso.
Observo Ágatha balança a cabeça em negativa.
– Você não sabe onde está se metendo, e se Duncan for realmente perigoso como Milena falou? – Rebate e pega em minhas mãos. – Só acho que está se deixando levar. Já reparou que está contra sua própria mãe?
– Não estou contra a mamãe. – Rebato e puxo minhas mãos das suas, enquanto percebo que não está acreditando em mim. – Só acho que ela reagiu de um modo que não iria reagir normalmente. Não estou contra ninguém, mas as coisas mudam quando parece que todos estão mentindo pra mim.
– Mas está tentada a acreditar em Duncan, um cara que mal conhece. – Ágatha rebate rapidamente. – De todas as coisas que você já falou, deu a entender que está querendo acreditar mais nele do que na sua mãe. O que está acontecendo?
– Não disse isso. – Rebato na defensiva. – Também estou duvidando dele, tanto quanto da mamãe. Mas se preciso me aproximar dele pra saber a verdade, então assim será. Não tenho coragem de pressionar mamãe pra conseguir nenhuma resposta e sei que mesmo que fizesse ela não iria abrir o jogo. Minha única esperança é descobrir algo por ele. – Observo os olhos de Ágatha se estreitarem, então pressiono suas mãos com as minhas. – Preciso saber a verdade, não vou conseguir descansar senão souber.
– Tudo bem. – Ágatha concorda contra vontade. – Vou apoiar você seja no que for, mas, por favor, não faça nada sem pensar duas vezes antes.
– Pode deixar. – Sorrio e a abraço. – Obrigada por me apoiar.
– Que tipo de amiga eu seria se não a apoiasse? – Pergunta com um meio sorriso nos lábios. – Se precisar de alguma ajuda é só avisar.
Concordo com um aceno de cabeça, logo em seguida o assunto morreu e começamos a falar sobre o que teve de conteúdo hoje. Conversamos por um bom tempo e Ágatha deixou seus materiais comigo para que copiasse as matérias mais tarde, depois disso fomos para a cozinha cuidar do almoço, acabamos comendo massa à bolonhesa. Repeti três vezes, que acabou por não sobrar nenhum resto na panela e Ágatha pareceu não se importar com isso. Mas não demorou muito e ela teve de ir embora e de certa forma gostei um pouco da ideia de ficar sozinha em casa com meus pensamentos e dúvidas, algo que já está ficando frequente.
Subo para meu quarto e pego o notebook, sento-me na cama e começo a pesquisar alguma doença que pudesse dar alteração física excessiva, mas descubro que não existe nada parecido com o que aconteceu. Fecho a tampa do computador e o coloco nos pés da cama antes de pegar os materiais de Ágatha e começar a copiar as matérias, aproximadamente trinta minutos depois a campainha toca.
Olho a hora na tela do celular percebendo que Milena não está nem perto de chegar e Ágatha já teria voltado para pegar alguma coisa que tivesse esquecido. Então franzo o cenho pensando em quem poderia ser.
Desço as escadas e me próximo da porta espiando pelo olho mágico, logo percebo que não há ninguém do outro lado da porta. Então colo meu corpo contra madeira esperando ouvir algum barulho de passos se afastando, mas não ouço nada. Com isso abro a porta com cautela, olho para os lados, mas não vejo ninguém na rua deserta a não serem as sombras das pessoas em suas casas enquanto passam em frente às janelas.
– Olá. – Digo esperando que alguém respondesse, mas isso não acontece.
Estou prestes a fechar a porta quando algo no chão me chama atenção. Agacho-me para olhar a rosa azul pousada nos degraus de casa. Suas pétalas são longas e sedosas quando passo o dedo, a cor azul é tão intensa e viva que tenho a impressão que tem luz própria. Levo-a para perto do rosto para sentir seu perfume, percebendo que nunca sentira algo tão indistinto e marcante.
Observo Luna olhar novamente para os lados procurando alguém que pudesse ter deixado a rosa ali nos degraus da casa e logo a vejo sumir atrás da porta carregando a rosa junto a si, como se fosse algum tipo de talismã. Não posso falar que no fundo não seja realmente isso, um talismã para protegê-la de si mesma, para escondê-la até o dia de seu aniversário quando nunca mais poderá passar despercebida.
Sinto alguém se aproximar de mim e sorrio quando reconheço sua energia.
– Ela já recebeu o pacote? – Duncan pergunta de uma forma que me obrigo a rir.
– Sim. – Respondo e me viro para olhá-lo. – Obrigada por cuidar disso por mim.
– Não faço mais que minha obrigação. – Responde terno. – Espero que a rosa realmente a ajude. – Ele me fita sério e sua feição rapidamente se transforma, ficando carregada de preocupação. – Vi como ela ficou ontem. Está começando Valentina, não há mais como escondê-la.
– Eu sei que não. – Rebato cansada. – Mas tenho certeza que o talismã irá ajudá-la até sexta-feira. É esse o objetivo: que não a encontrem até lá.
Duncan resmunga irritado.
– Até lá não poderei fazer nada por ela, não até completar dezoito anos.
– Eu sei disso, mas vai estar lá caso ela precise. – Rebato. – Sei muito bem quando você poderá fazer alguma coisa e que por enquanto está impotente, mas até lá as coisas vão ficar piores e ela irá precisar de alguém a vigiando na escuridão.
– Vigiando na escuridão. – Duncan repete minhas palavras, já cansado do mesmo discurso. – Só o que posso fazer por enquanto, mas logo ela irá perceber que tem alguma coisa errada, se é que já não percebeu. – Ele me fita sério. – Você viu como ela já mudou fisicamente.
Desvio o olhar para a casa do outro lado da rua pensando como Luna está passando por isso, mas sei que não posso aparecer para ela já que tem o risco de me ver, ainda mais em transformação.
– Eu vi. – Concordo. – Amanhã as coisas ficarão piores, não sei como ela irá reagir, nem como Milena irá fazer.
Duncan se vira enquanto suspira pesadamente, tentando se controlar para ficar calmo e sei como isso é difícil para ele.
– Eu vi como ela reagiu. – O encaro. – Milena. Vi o que fez.
– Eu sei que ela não é de demonstrar...
– Não é isso Valentina. – Ele me interrompe. – Luna estava passando pela primeira fase na frente de Milena e o que ela fez? Mandou-me amenizar a dor dela em vez de contar a verdade para a filha! – O vejo levar as mãos ao rosto e respirar fundo antes de se voltar para mim. – Luna irá passar pela segunda fase amanhã e ninguém nos garante de que a rosa irá funcionar. Sexta-feira haverá o eclipse e todos estão se preparando pra essa data. Todos estão esperando por ela!
– Eu sei disso garoto. – Rebato irritada. – Mas o que espera que eu faça? Simplesmente apareça pra ela e conte tudo o que está acontecendo esperando que acredite em mim?
– E você espera que ela acredite em mim? Um cara que mal aparece na cidade e começa a contar um bando de coisas que só acontecem em filmes? Ou melhor, que é mais louco que um filme de fantasia?
– Pare agora mesmo! – Grito para ele enquanto o vento se intensifica a minha volta. – Não me repita coisas óbvias e nem brinque com a minha paciência! – O vejo levar a mão de encontro ao rosto, tentando espantar os detritos que teimam em serem jogados em sua direção.
– Tudo bem Valentina! – Ele grita para que eu possa ouvi-lo. – Agora se acalme, por favor! – Aos poucos o vento cessa e meus cabelos param de voar como cobras de papel. – Desculpa. – Duncan fala. – Me passei, eu sei. – Ele passa as mãos pelos cabelos tentando se acalmar. – Só que não sei como posso contar o que está acontecendo pra ela, não nesse momento de transição. – Pequena pausa. – Imagina o mundo dela sendo virado de cabeça para baixo, agora visualize isso multiplicado por cem vezes.
– Eu sei. – Respondo depois de um suspiro. – Mas também não posso fazer nada por enquanto, só cuidar dela e de você a distância.
Duncan pega em minhas mãos e me olha profundamente, apesar de saber que não pode me tocar e muito menos sentir.
– Você pode falar com ela sim, não precisa aparecer para isso.
– Você está dizendo para falar com ela por sonho? – Pergunto surpresa por não ter pesando sobre isso antes. – Ela não irá acreditar, porque aquele psicólogo plantou na cabeça dela que tudo o que vê são alucinações e pesadelos.
– Eu sei disso, mas ficará com uma dúvida ainda mais pelas coisas que estão acontecendo com ela agora. Acho que pode acreditar em você.
– Por que sou a avó dela? – Desvio os olhos rapidamente e deixando um leve sorriso aparecer, enquanto finalmente o que ele disse faz sentido.
– Sim! – Duncan afirma empolgado. – Você a treinava antes de morrer e isso ainda está em seu cérebro, só precisamos fazê-la se lembrar disso. – Começo a balançar a cabeça em negativa, mas ele prossegue falando. – Acredite em mim Valentina, é um botão que precisamos acionar, depois disso, tudo ficará mais fácil.
Paro para refletir por um momento.
– Pode funcionar. – Concordo. – Ela já está percebendo que algo está errado, só preciso fazê-la se lembrar, mas como?
– Mostre lembranças da infância, das coisas que vocês faziam juntas. – Diz enquanto observo um sorriso satisfatório aparecer em seus lábios. – Depois disso, o resto é comigo, porque ela começará a aceitar e quando lhe contar a verdade, não haverá tanto choque e negação.
– Começarei hoje. – Afirmo e sentindo que o abismo que nos separa está sumindo e a cada segundo que passa estou mais perto de encontrar minha neta e de deixá-la encontrar seu destino.